Dislexia surge antes de alfabetização Estudo sugere que dificuldade apareça antes da tentativa de aprender a ler e escrever e identifica, com ressonância magnética, risco de dislexia em crianças com idade média de 5 anos
Publicação: 27/02/2012 08:54 Atualização: 27/02/2012 09:59
Integrantes do Children’s Hospital, em Boston, nos Estados Unidos, apoiados pela Universidade Harvard, submeteram meninos e meninas com idade média de cinco anos a uma ressonância magnética e descobriram diferenças de atividade cerebral naquelas com histórico familiar de dislexia. O resultado indica que a capacidade do cérebro de processar sons da linguagem é deficiente mesmo quando a criança ainda não começou a receber estímulos para aprender a ler.
Para a neuropediatra Cláudia Machado Siqueira, coordenadora do Laboratório de Estudos dos Transtornos de Aprendizagem (Letra), que funciona no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, o estudo reforça a necessidade de identificar os grupos de risco da dislexia. “Quando você encaminha precocemente a criança para o tratamento, ela se desenvolve com menos prejuízo, pois o cérebro aprende a trabalhar nessas condições”, alerta. De acordo com a médica, já se sabe que o histórico familiar é responsável por 65% dos casos, mas ainda falta descobrir qual gene leva a culpa. O que também está comprovado é que o consumo de cigarro, droga e álcool na gravidez pode levar a problemas cognitivos no bebê (veja na arte outros fatores de risco).
A fonoaudióloga Luciana Mendonça Alves, doutora em linguística pela UFMG, explica que os primeiros sinais da dislexia podem ser percebidos a partir dos dois anos e meio de vida. A criança que possivelmente desenvolverá o transtorno de aprendizagem demora mais para aprender a falar. Quando passa a se comunicar, tem o vocabulário restrito, simplifica demais as frases, troca com frequência o nome dos objetos e tem dificuldade para recontar uma história. Já na escola, aos quatro anos, não dá conta de acompanhar o ritmo das músicas nem identificar as rimas. “Vai avançando a escolaridade e o aluno não consegue associar palavras que começam com o mesmo som. Com seis anos, surge a dificuldade para ler.”
É importante que fique claro: os sinais não podem ser analisados isoladamente. Uma criança que ainda está passando pelo processo de aquisição da linguagem pode, sim, trocar as letras, esquecer uma palavra ou se confundir na hora de formar frases. “Às vezes, um estudante de sete anos está com problema para aprender a ler não por causa da dislexia, mas porque ainda não atingiu a maturação neurológica”, acrescenta a fonoaudióloga. As dificuldades só devem ser relacionadas ao distúrbio quando são frequentes. Luciana esclarece que o diagnóstico é fechado apenas depois que a criança completa oito anos e realmente não conseguiu aprender a ler nem escrever, mas o ideal é que o tratamento comece assim que os pais perceberem os primeiros sinais, principalmente se o filho está em algum grupo de risco.
Risco de sequela emocional
“O mais triste não é a dificuldade, mas a sequela emocional que pode ficar”, atesta a psicopedagoga Célia Marra. A situação se agrava quando chega a alfabetização. A criança começa a perder o interesse pela aula e consequentemente fica com a atenção dispersa, pois não consegue acompanhar a turma. Como não se sente capaz de participar das atividades, Célia diz que, normalmente, o aluno com dislexia se isola em um canto da sala ou vai perturbar o ambiente. “A série de insucessos, principalmente na frente de um grupo, faz com que a criança fique insegura, chorosa, triste, irritada, começa a fazer birra, empurrar o colega, tudo porque está com a auto-estima muito baixa.”
A neuropsicóloga Maria do Carmo Mangelli Ferreira acrescenta que muitas crianças passam a dar desculpas para não ir à escola, algumas se recusam a ler, mesmo fora da sala de aula, e chegam a demonstrar agressividade, ansiedade e até sintomas de depressão. “Como não vão bem na escola, elas falam para os pais que não gostam de estudar. Para reverter isso é uma luta”, destaca.
Em casa, a pressão costuma ser ainda maior. Às vezes, a criança acaba recebendo o rótulo de preguiçosa ou desinteressada pela família. “Se o pai e a mãe não entendem que o filho é normal intelectualmente, vão ser os primeiros a dizer que ele não é capaz, vão compará-lo com irmão e colocar de castigo. É a ansiedade de vê-lo mostrar alguma coisa”, observa a psicopedagoga Célia Marra. A falta de compreensão da família pode potencializar as consequências da dislexia, pois a criança que não se sente apoiada passa a não confiar nela, achar que não é inteligente e amplia o leque de incompetências para além da leitura e escrita. Com o emocional abalado, é desestimulada a tentar e começa a podar suas potencialidades que nada têm a ver com a sala de aula.
O ideal é que a criança disléxica seja acompanhada desde cedo por uma equipe de neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo e pedagogo. “O acompanhamento precoce não vai evitar o problema, mas facilita o processo de aprendizagem e minimiza o sofrimento”, esclarece a fonoaudióloga Luciana Mendonça. Em alguns casos, o profissional vai orientar os pais a matricularem o filho em uma escola que adote o método fônico de ensino, o mais indicado para os dislexos porque trabalha melhor a associação do som às letras, sílabas e depois palavras. O tratamento fonoaudiológico já pode começar aos três anos para dar base ao processo de alfabetização e muitos conseguem acompanhar os colegas. Luciana ressalta, no entanto, que o resultado é de médio a longo prazo.
“Os pais precisam enxergar a importância do apoio emocional ao filho. Se ele tem afeto, amor, compreensão e carinho, tudo fica mais fácil. Então, deixe de lado a cobrança e valorize tudo o que a criança faz, permitindo que ela avance no ritmo dela”, resume Célia Marra.
Ajuda gratuita
O Hospital das Clínicas da UFMG, localizado em Belo Horizonte, oferece atendimento gratuito para meninos e meninas de até 14 anos com dislexia. O Laboratório de Estudos dos Transtornos de Aprendizagem (Letra) é coordenado pela neuropediatra Cláudia Machado Siqueira, integrante da residência médica de neurologia pediátrica. As crianças são acompanhadas por psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicopedagogo, mas o envolvimento da família e da escola também é fundamental. Desde 2008, o Letra recebeu 300 pacientes.
Estudo sugere que dificuldade apareça antes da tentativa de aprender a ler e escrever e identifica, com ressonância magnética, risco de dislexia em crianças com idade média de 5 anos
O que já se sabe sobre a dislexia
» Não é uma lesão cerebral nem déficit de inteligência, não tem relação com problema auditivo ou visual e não é causada por falta de escolarização. É um transtorno de aprendizagem que leva à dificuldade para ler e escrever.
» Atinge cerca de 10% da população mundial. A prevalência é maior no sexo masculino. Para cada 1,5 homens, uma mulher recebe o diagnóstico.
» O funcionamento do cérebro de indivíduos com dislexia é diferente. A área no lado esquerdo que tem a função de processar a leitura trabalha menos e o lado direito acaba compensando a falta.
» O tratamento não promove a cura do ponto de vista biológico, mas há melhora funcional, pois o cérebro se adapta às condições da dislexia.
» As mães norte-americanas costumam identificar o transtorno de aprendizagem quando o filho está com oito anos, mas demoram pelo menos dois anos para procurar ajuda. Não há esse dado no Brasil.
» Crianças dislexas que não se tratam precocemente crescem com lacunas pedagógicas. Os especialistas explicam que vão ser adultos que, na hora de escrever a palavra vaca, ficam na dúvida se é com V ou F.
GRUPOS DE RISCO
» Baixo peso no nascimento (menor ou igual a 2,5kg)
» Prematuridade
» Exposição do feto a álcool, droga e fumo
» Histórico familiar de transtorno de aprendizagem, hiperatividade e déficit de atenção
» Anemia falciforme
» Diabetes infantil
» Doenças neurológicas e neuropsiquiátricas, como epilepsia, transtorno de humor bipolar, hiperatividade e déficit de atenção
O QUE O ESTUDO NORTE-AMERICANO ACRESCENTOU
» Participaram apenas crianças que entrariam para o jardim de infância nas semanas seguintes ao dia em que foram submetidas ao teste.
» Os pesquisadores investigaram o funcionamento do cérebro de 36 meninos e meninas com histórico familiar de dislexia por meio de ressonância magnética.
» Os resultados revelam atividade metabólica reduzida em duas regiões do cérebro, comparando-se ao funcionamento de quem não tem predisposição genética ao transtorno de aprendizagem.
» A ativação reduzida nas duas áreas do cérebro também é encontrada em adultos e crianças na fase escolar com diagnóstico de dislexia.
» O estudo sugere que as diferenças na atividade cerebral em indivíduos com dislexia não têm a ver com a tentativa de aprender a ler, mas está presente antes mesmo do processo de alfabetização começar.
» Os pesquisadores não observaram hiperatividade nas regiões frontais do cérebro, o que sugere que os mecanismos compensatórios para a dificuldade de leitura ainda não está presente.
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