Doenças inventadas: cientistas discutem medicalização
"Nós estamos vivendo um momento na sociedade e no mundo em que a vida está sendo muito medicalizada. Medicalizar é transformar, artificialmente, problemas coletivos, de ordem política, social, cultural e de educação em doenças individuais. Hoje, não existe mais tristeza, só depressão. A criança que tem um comportamento que não satisfaz ou incomoda os adultos, é transformada em doente. Quando se busca a comprovação dentro do rigor da ciência médica, isso não existe".
Este alerta foi dado pela médica e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Maria Aparecida Moysés, durante a abertura do Fórum "Educação Medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos".
A aprendizagem e os modos de ser e agir - campos de grande complexidade e diversidade - têm sido alvos preferenciais da medicalização.
A medicalização controla e submete pessoas, abafando questionamentos e desconfortos, oculta violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em "portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem".
"Quando a criança tem uma dificuldade ou modo de comportamento diferente, é muito simples você dizer que é uma doença e dar um remédio. Essa criança, muitas vezes, está vivendo um conflito nas relações entre pessoas do entorno dela. Precisamos enxergar isso", disse Aparecida Moysés.
Quase 75% das crianças e dos adolescentes brasileiros que tomam remédios para déficit de atenção não tiveram diagnóstico correto, segundo um estudo realizado por psiquiatras e neurologistas da Unicamp, USP, Instituto Glia de Pesquisa em Neurociências e Albert Einstein College of Medicine (EUA), apresentado no 3º Congresso Mundial de TDAH, ocorrido na Alemanha.
A pesquisa colheu dados de 5.961 jovens, de 4 a 18 anos, em 16 Estados do Brasil e no Distrito Federal.
"Essas crianças não deveriam estar tomando medicação e estão," disse a psicóloga da USP de São Paulo Marilene Proença Souza, que promoveu em São Paulo, juntamente com o Conselho Regional de Psicologia, o II Seminário Internacional: a educação medicalizada -dislexia, TDHA e transtornos.
Carmen Zink, da Coordenadoria Geral da Unicamp (CGU), destacou ser importante a participação de pedagogos, professores e pais na discussão da medicalização da educação.
"Houve um deslocamento de responsabilidade e precisamos ouvir o que a área da saúde tem a dizer", disse Carmen. "As mudanças que aconteceram na história da humanidade foram pelos questionamentos, sonhos e utopias. Ao medicalizar, estamos abortando um futuro diferente, sem criatividade", concluiu Aparecida Moysés.
O assunto tornou-se uma preocupação mundial da classe médica. Preocupados com os diagnósticos ligeiros, médicos europeus emitiram novas regras para uma das medicalizações mais comuns, o transtorno bipolar.
Fonte : Unicamp
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