sexta-feira, 31 de agosto de 2012

NEUROCIÊNCIA


Leonardo Mascaro
Meditação high-tech
Apontado como o pioneiro no que se entende por neurofeedback no Brasil, o psicólogo Leonardo Mascaro vem obtendo expressivos resultados clínicos com o auxílio de modernas tecnologias aliadas a técnicas de meditação

Por Fernando Savaglia Fotos: Fabio Hurpia


http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/41/imagens/i121751.jpg
Fernando Savaglia é jornalista tem formação em Psicanálise e escreve para esta publicação
As últimas duas décadas foram extremamente férteis no que diz respeito às descobertas sobre o funcionamento do mais complexo sistema de processamento integrado de dados da natureza: o cérebro humano.
Seja no que se refere à sua fisiologia ou anatomia, a Neurociência vem se beneficiando cada vez mais de modernas tecnologias em busca desse entendimento.
Na prática, esses avanços permitiram a psiquiatras e psicoterapeutas atualizarem abordagens clínicas, abrindo uma nova gama de possibilidades na busca de como conter as psicopatologias.
Autor do livro A arquitetura do eu – Psicoterapia, meditação e exercícios para o cérebro e criador do primeiro sistema de Psicoterapia baseado em treinamento neurológico no mundo – a Neuropsicoterapia – o psicólogo Mascaro Mascaro vem obtendo expressivos resultados agregando à sua prática clínica treinamentos por meio de neurofeedback. Seu objetivo é resgatar e normalizar as atividades elétricas do cérebro a partir da normalização das frequências e amplitudes das ondas de transmissão (Delta, Theta, Alfa e Beta) geradas no córtex cerebral.
Utilizando modernas tecnologias, como filtros digitais para detectar padrões patológicos, o trabalho do psicólogo pós-graduado pelo Núcleo de Neurociências e Comportamento da Universidade de São Paulo (USP) pode ser considerado pioneiro no Brasil no campo de neurofeedback. A tecnologia empregada em suas pesquisas e atendimentos vem comprovando também, de maneira categórica, os benefícios que a meditação é capaz de provocar na fisiologia e no psiquismo das pessoas.
Para Mascaro, à medida que avança, a neurociência vem desmistificando antigos paradigmas. “Este conhecimento está mostrando que não estamos tão à mercê do nosso inconsciente como achávamos e que é possível, sim, nos libertarmos de certas prisões que formamos ao longo de nossa vida”.
Acompanhe a seguir a entrevista exclusiva concedida à Psique Ciência & Vida pelo terapeuta em seu consultório no bairro do Jardim Paulista, na região oeste de São Paulo.
PsiqueComo funciona a terapia com o sistema de neurofeedback?
Mascaro – O neurofeedback surgiu do entendimento de que se é possível treinar as ondas cerebrais. Hoje sabemos que a partir do momento em que você toma consciência de um evento no seu corpo você é capaz de modificá-lo. Tenho acesso aos dados relativos à atividade elétrica do cérebro do paciente, a partir de eletrodos dispostos sobre seu couro cabeludo. Estes dispositivos são conectados a uma interface, que faz a transformação deste sinal para o computador ler e me apresentar os resultados na tela. A vocação do córtex, por exemplo, é gerar frequências Beta. Quando você identifica uma área de funcionamento de alta amplitude fora deste padrão, há a condição de saber o que está acontecendo e que frequência tem de treinar para dar condição àquele cérebro de sair do padrão funcional equivocado e voltar ao adequado. A partir daí, estabeleço critérios de feedback, isto é, do que vou treinar. O cérebro entra num jogo e recebe sinal positivo toda vez que produz atividade dentro do que estabeleci. No estresse pós-traumático, por exemplo, a frequência Alfa da região temporo-parieto-occipital, normalmente estará entre 15 e 20 mV (microvolts), quando o normal seria entre 5 e no máximo 10 mV. Com o treino diante da tela o paciente recebe um sinal sonoro toda vez que produz menos do que 10 mV. Aí, a ansiedade automaticamente começa a diminuir, e aos poucos o cérebro começa a “aprender”.
"A meditação é uma das coisas mais sérias
que já se descobriu ou se produziu em
termos do conhecimento humano
"
Psique Pode-se dizer que você acaba normalizando as funções por condicionamento?
Mascaro
– Sim. É fantástico observar que no neurofeedback não é preciso ter a plena consciência do que se está fazendo, apenas é necessário aprender o caminho para repetir o padrão. É possível fazer uma comparação com o dirigir. Você sabe quais são as conexões sinápticas do ponto de vista sensório e motor para se ter a condição de guiar um carro? Na verdade, você nem pensa na hora de trocar a marcha, pisar no freio, etc. O cérebro aprende desde que ele tenha uma informação adequada para isso. No caso, ele recebe a informação do que ele está fazendo e passa a modificar ele mesmo esta atividade. No início, o padrão patológico se sobrepõe aos exercícios sugeridos. Na fase seguinte, é interessante notar que em todo começo de sessão ainda aparece o padrão antigo e prontamente o cérebro reconhece o treino, até que chega o ponto em que se liga o equipamento e o cérebro já está no padrão desejado. Uma vez que o cérebro aprende, o paciente é liberado.
Psique Em seu livro você afirma que seu trabalho vem confirmando que patologias de origem psíquica muitas vezes são, na verdade, padrões intervenientes na fisiologia de nossos neurônios agindo em nosso cérebro...
Mascaro
– Sim, e o mais interessante é que, pelas minhas observações, algumas psicopatologias se originam, por exemplo, por anóxia no parto, pancadas, traumas, lesões, etc., e se estes comprometimentos existirem é possível verificar diretamente a partir da leitura da atividade neurológica do paciente.
Psique Todo comprometimento psíquico vai gerar, como você descreve no livro, uma “assinatura” cerebral?
Mascaro
– Depressão, ansiedade, déficit de atenção, pânico, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), além de enxaquecas, derrames, traumatismo cranioencefálico com ou sem exposição do encéfalo, etc., cada um destes comprometimentos funcionais psíquicos ou físicos tem uma assinatura neurológica própria e averiguável no eletroencefalograma (EEG).
Meditação no laboratório
O trabalho do psicobiologista Maxwell Cade, da Universidade de Londres, foi determinante no desenvolvimento do processo de neurofeedback como o conhecemos hoje. No início dos anos 1970, Cade, que já praticava meditação há muitos anos, empreendeu extensa pesquisa com swamis, yogues e monges budistas, no intuito de entender o que acontecia na fisiologia destes meditadores. Com o auxílio do equipamento de eletroencefalograma (EEG) que acabou desenvolvendo, o Mind Mirror, Cade pôde apontar um caminho para aperfeiçoar o processo, traduzindo para uma linguagem científica aquilo que até então era entendido apenas dentro de uma interpretação espiritual.
Uma de suas discípulas, Anna Wise, (com quem Mascaro obteve sua formação), deu continuidade ao seu trabalho, sendo hoje considerada uma das maiores autoridades mundiais em pesquisas sobre meditação por neurofeedback.
Para a identificação de padrões neurológicos patológicos e seu tratamento por treinamento neurológico, Mascaro utiliza, em seu consultório, um equipamento de EEG que, por também fazer uso de filtros digitais, permite ler e apresentar, ao cérebro do paciente, num intervalo de milésimos de segundo, sua própria atividade, condição necessária para que o treinamento possa acontecer.
Psique Estas assinaturas revelam o uso de medicamentos também?
Mascaro
– Sim. No caso de depressão, por exemplo, a assinatura neurológica vai estar lá, porém com a amplitude do sinal mais baixo. A medicação não cura, ela suprime a atividade. O que vai resolver de fato é o treinamento neurológico. Não estou dizendo que a pessoa não deva ser medicada num estado agudo. Mas é preciso tirá-la do estado crônico de atividade. O cérebro perpetua padrões.
Psique Como você trabalha com pacientes que sofrem de depressão?
Mascaro
– Todo depressivo necessariamente tem uma queda de atividades nos lobos frontais. O lobo frontal esquerdo é o processador de emoções positivas; o direito é responsável pelas emoções negativas e regulação da expressão de ambas. Se você tem uma queda de atividade, isso vai gerar um atrofiamento cortical da região. No sistema de feedback trabalhamos a depressão em conjunto, isto é, os lobos frontais e as glândulas hipófise e pineal. Se você exercitar adequadamente a hipófise vai produzir uma maior atividade em áreas límbicas de processamento emocional, com outro perfil de atividade e feedback com o córtex.
Psique – O uso do equipamento garante, então, um diagnóstico mais preciso?
Mascaro
– Com certeza. Trabalho, por exemplo, com várias crianças indicadas por colégios para tratamento de Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH). Com o equipamento, meço T4, C4, T3 e C3, que são áreas motoras. Por aí, terei uma amostra do que está se passando no todo. Pela assinatura neurológica já posso fazer um diagnóstico diferencial: se estou diante de um caso de déficit de atenção geneticamente determinado ou se o processo teve origem numa anóxia no parto, por exemplo. A assinatura é muito clara, não fico apenas no aspecto clínico, a partir de sintomas. A uma dessas crianças, diagnosticada pelo psiquiatra como portadora de TDAH, foi prescrito o uso de Ritalina. Na hora que liguei o equipamento no garoto percebi, pela assinatura neurológica, que houve problemas de anóxia no parto, o que acarretou comprometimento dos lobos frontais. Neste caso, a Ritalina só vai piorar, e muito, o quadro.

Leonardo Mascaro
Meditação high-tech
Apontado como o pioneiro no que se entende por neurofeedback no Brasil, o psicólogo Leonardo Mascaro vem obtendo expressivos resultados clínicos com o auxílio de modernas tecnologias aliadas a técnicas de meditação

Por Fernando Savaglia Fotos: Fabio Hurpia


Psique O próprio cérebro não se encarrega de fazer a substituição de neurônios das áreas comprometidas por lesões?
Mascaro
– Quando há uma lesão neurológica, seja lá qual for, o cérebro começa a produzir novos neurônios nas áreas límbicas, como o septo, o hipocampo, etc. Estes neurônios começam a migrar, só que a natureza deles é Theta, uma frequência mais lenta que Beta. Se levarmos em conta que a área de comprometimento já está lentificada, então a reposição destes neurônios vai perpetuar o problema. O que é preciso fazer é treinar a área para lhe dar possibilidade de ter outro comportamento. O que se vê nestes casos são as áreas vizinhas da comprometida, em fast Beta, tentando acelerar o processo.
Psique Você acredita que com o avanço das descobertas da Neurociência, a terapia por palavras vai perder sua força?
Mascaro
– A terapia por palavras pode produzir modificações no cérebro também. Porém acredito que existam formas de aprimorar os processos dando ao cérebro do indivíduo a oportunidade de superar algumas travas funcionais que de outra forma seriam muito difíceis de serem trabalhadas, com o objetivo de abrir os canais de comunicação entre o consciente e subconsciente, assim como permitir mudanças tanto funcionais quanto estruturais. Quando áreas do cérebro até então adormecidas são despertadas, os neurônios começam a produzir prolongamentos para a formação de sinapses. Isto é da natureza humana.
Psique No seu livro você ensina exercícios para estimular a hipófise a partir do direcionamento da concentração para ela. Apenas isso basta para estimulá-la?
Mascaro
– Sim. Concentração é uma reunião de forças e a atenção é uma delas. A atenção lhe dá a condição de permanecer em algo. Quando você faz isso, o tecido neurológico responde e é percebido por uma pulsação na área. De olhos fechados é possível comprovar este processo. Se você se concentra nessa pulsação, assume o comando dela e passa a controlar seu ritmo e sua intensidade. Ao fazer isto de maneira consciente, vai estimular a hipófise a produzir hormônios fundamentais que participam também dos processos de neuromodulação.
"Quando áreas do cérebro até então adormecidas são despertadas, há um processo neural natural.
Isto é da natureza humana
"

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Psique Pacientes com comprometimentos resultantes de lesões ou acidente vascular cerebral podem se beneficiar do neurofeedback?
Mascaro – Sim. Hoje 40% da minha agenda é dedicada a estes pacientes. É possível fazer um trabalho de resgate de funções neurológicas. Atendo um rapaz que sofreu um acidente de carro que o deixou com graves sequelas motoras. Em dez meses atingimos resultados fantásticos a ponto da fonoaudióloga que o atende querer conhecer mais sobre o neurofeedback
Psique Suas pesquisas apontam a meditação como uma prática muito benéfica para a fisiologia e o psiquismo do homem. Existem inúmeras técnicas de meditação conhecidas. Todas surtem o mesmo efeito?
Mascaro
– Quando falamos em meditação as pessoas têm a tendência de confundi-la com a técnica em si. Técnicas existem inúmeras. Mas a meditação propriamente dita, não é uma técnica e sim um estado de consciência que emerge a partir de uma configuração elétrica bastante específica de atividade cerebral. Estamos falando de uma atividade que vai influir no nosso sistema neurofisiológico. A meditação atua primordialmente sobre a atividade do córtex, onde estão os corpos celulares de neurônios, responsáveis pelo processamento da informação no cérebro. Nestes estados de atividade cortical, o estado de consciência que emerge permite acessar conteúdos enraizados nas profundezas do inconsciente.
Psique O indivíduo, quando medita, gera que tipo de frequência cerebral?
Mascaro
Alfa e Theta em alta amplitude. Porém é importante frisar que algumas psicopatologias como depressão, ansiedade, TOC, dentre outras, apresentam frequências em Delta, Theta e em Alfa. Você pode me perguntar se isso não seria um contrassenso. Na verdade, para eu estar em meditação, as frequências têm de estar sendo produzidas de maneira integrada à atividade cortical. Quando o córtex é prisioneiro de frequências lentas, que não deveriam estar ali, isso vai gerar uma assinatura de patologia. Tenho como averiguar se aquela frequência Theta, em alta amplitude, está sendo comprometedora no que se refere ao funcionamento do cérebro ou levando o indivíduo a um alto desempenho em razão da meditação.
"È preciso tirar as pessoas do estado crônico de atividades cerebrais patológicas.
O cérebro perpetua padrões
"

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Psique Os aparelhos de neurofeedback podem aperfeiçoar o processo em busca de uma meditação com efeitos mais efetivos?
Mascaro
– Sim. Estes equipamentos de neurofeedback podem acelerar o processo que antes durava anos ou décadas. Quando você ia treinar com um instrutor ou mestre, na verdade o que acontecia era uma longa sequência de trabalhos mentais para se atingir esses estados. Alguns Swamis (veja glossário) como Satyananda Saraswati, da Universidade de Yoga em Bihar na Índia, usam aparelhos de neurofeedback para treinar seus discípulos. Ele encara o feedback como um passo importante no que se refere à tecnologia aplicada ao treinamento da meditação.
Psique Muita gente ainda atribui à meditação um caráter místico...
Mascaro
– É verdade, até porque a meditação entrou no ocidente muito atrelada a práticas alternativas e ao movimento new age. Mas a meditação é uma das coisas mais sérias que já se descobriu ou se produziu em termos do conhecimento humano. Erroneamente, também se criou o mito de que meditação é entrar em estado Alfa. Quando se começou a perceber que meditação produzia um aumento de Alfa, as outras frequências também presentes não foram notadas. Se você produzir só Alfa, vai estar num relaxamento profundo e só. O trabalho do cientista britânico Maxwell Cade (Veja quadro Meditação no laboratório) mostrou que, além de Alfa, existia também Theta. É aí que se encontra todo seu material emocional profundo e sua criatividade. Alfa, na verdade, permite a Beta (nosso consciente) acessar nosso inconsciente em Theta.
Psique É possível apontar um padrão das frequências cerebrais das pessoas que habitam uma grande cidade, com todos os desafios da vida moderna como a que vivemos?
Mascaro
– Infelizmente, o resultado obtido com a maioria das pessoas no equipamento apresenta um padrão que chamo de ampulheta. Muito Beta e lá embaixo muito Delta, com estrangulamento de Alfa e Theta. Isto demonstra que as pessoas estão num racional exacerbado, sem nenhum acesso ao seu emocional. As frequências Delta funcionam como um radar, gerando um estado de constante atenção e são muito comuns em pessoas que sofreram algum trauma. Pode-se dizer que elas estão desconectadas de si mesmas.
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Psique Você é meditador?
Mascaro
– Há muitos anos. Hoje pratico uma meditação que trabalho muito em consultório, conhecida como Mente Desperta. Ela é, na verdade, um treinamento de ondas que você aprende a reconhecer a partir de estados interiores que se correlacionam com configurações elétricas no cérebro. O treinamento consiste em produzir uma configuração específica ao se agregar as frequências Alfa e Theta, características em estados meditativos, à Beta, que é a frequência de nossa consciência desperta comum. Em Beta, você encontra sua interface para o mundo. Quando você consegue associar seu estado de meditação a ela, pode-se dizer que tem a mente dos Swamis e Yogues. Aliás, todo o treinamento deles é voltado para atingir esta configuração.
Psique Os praticantes de yoga também sofrem alterações em suas frequências cerebrais?
Mascaro
– Muitas pessoas que praticam o yoga acreditam que os asanas (veja glossário) por si só são suficientes. Mas não. O yoga pressupõe a meditação como uma sequência natural e vai trabalhar o sistema nervoso simpático e o parassimpático. Ativa e relaxa, estende, alonga e relaxa. Isso vai fazer que os sistemas nervosos simpático e parassimpático se equilibrem. Esse equilíbrio modula as frequências cerebrais corticais. Vai criando um nível de coerência cortical que antes não existia. O silenciar da mente já provoca uma redução de Beta e você também desenvolve a concentração. No yoga, a concentração é dharana (veja glossário) e meditação é dhyana (veja glossário); tanto pode entrar em meditação treinando dharana quanto, treinando dhyana, chegar a dharana. Um leva ao outro.
Psique Qual é a característica de funcionamento dos cérebros das pessoas que estão vivenciando experiências descritas como o samadhi na tradição hinduísta ou o satori da tradição zen-budista?
Mascaro
– Existem diferentes níveis de samadhi (veja glossário). O primeiro nível correlaciona com o que Maxwell Cade (veja quadro Meditação no laboratório) descreveu como sendo Mente Desperta. Quando se produz alta coerência cortical neste nível, você promove um estado de atividade em que a membrana neurológica vira um condutor como se fosse cristal líquido. Aí, as informações são transmitidas a partir de pulsos de luz. É possível dizer que são estados quânticos de atividade cerebral. São estados que nunca serão visíveis em estudos com ratos em laboratórios, por exemplo. Por isso é tão complicado para o meio acadêmico aceitar essas realidades. Só que estamos falando de estados diferenciados de atividade cerebral. Na verdade, estamos falando de potenciais neurológicos que não foram plenamente manifestados e compreendidos ainda.
Glossário
– Swamis – Distinção dentro do hinduísmo para religiosos que possuem domínio sobre a própria mente.
– Asanas – Os exercícios propostos pelo yoga visando regular o sistema fisiológico do praticante.
– Dharana – A concentração que precede o estado meditativo no yoga.
– Dhyana – A técnica meditativa do yoga.
– Samadhi – Para os hindus, é um estado alterado de consciência que propicia êxtase alcançado por meio da meditação.
– Satori – Na tradição budista seria o equivalente ao Samadhi, sendo que alguns autores se referem à palavra para designar o estado de iluminação.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

No caso específico da criança, muito se tem de dúvidas sobre a eficácia da abordagem cognitivo-comportamental com este público, muito pela pouca produção de trabalhos científicos sobre TCC focada na criança no Brasil e muito pelos paradigmas criados frente à visão psicanalítica sobre o desenvolvimento infantil e sobre os instrumentos de identificação e interpretação das neuroses.
Erroneamente atribui-se a falta do lúdico (do Latim “ludus” que significa brincar, ou jogar) e/ou da análise das representações mnêmicas no trabalho cognitivo-comportamental; a diferença marcante a qual podemos atribuir diante a análise psicanalítica é o fato de como se encara o desenvolvimento biopsicossocial e as estruturas das relações fantasiosas da criança em cada abordagem.
Para o terapeuta cognitivo-comportamental o pressuposto da inconsciência não existe, ou no mínimo não são categorizados (resguardado a Terapia do Esquema), os padrões seguem o subconsciente, a consciência e a metacognição, e reage diretamente a subordinação dos significados (Esquemas – níveis automáticos e deliberativos). Neste sentido, o sujeito é visto como um ser independente, criativo e livre para suas escolhas, é parte do que é aqui e agora, pressuposto da contextualização na colaboração entre terapeuta e paciente. Segundo Beck e Alford (2000, p. 22) “esta colaboração permite que o terapeuta entre no mundo do paciente, usando a linguagem e o contexto cultural deste, enquanto compartilha a perspectiva cognitiva”.
A terapia cognitivo-comportamental com crianças não foge muita da estrutura original empregada na terapia com adultos, vide o uso dos diálogos socráticos, reestruturação cognitiva, tarefas e etc. Sugere-se que numa freqüência maior as crianças são encaminhadas à terapia por conta de suas dificuldades psicológicas criarem problemas para alguns sistemas, e neste sentido, Ronen (apud Friedberg & McClure, 2004, p. 18) cita que “as crianças agem dentro de sistemas como famílias e escola. O foco da TCC está no tratamento de crianças no interior de seu ambiente natural (família, escola e/ou grupos).
A terapia focada na criança trabalha junto à família, os pais podem ser contingentes em uma perspectiva mais simples quanto condutores de estímulos positivos, ainda mais se pensarmos na perspectiva de pais sabotadores, ou seja, representantes de uma disfunção familiar, a qual segundo Carvalho (2010, p. 107) “relaciona-se com problemas de comunicação e déficits para resolvê-los”, consoante Stallard (2007, p.17) sugere que “precisamos tratar das influências sistêmicas importantes que contribuem para a instalação e manutenção dos problemas da criança [...]. A influência mais importante é a dos pais/responsáveis”.
Neste pressuposto teórico, analisamos cinco elementos que estão inter-relacionados nas dificuldades psicológicas do individuo como sugerem (A. T. Beck, 1985; J. S. Beck, 1995; Padesky e Greenberg, 1995): “contexto interpessoal / ambiental, fisiologia, funcionamento emocional, comportamento e cognição do individuo”, ou seja, a compreensão geral recobre ao contexto sistêmico, interpessoal e cultural. (FRIEDBERG & McCLURE, 2004. p. 15).
Segundo Stallard (2007, p. 17) “uma tarefa-chave da TCC é facilitar o processo de descoberta orientada pelo qual a criança é ajudada a reavaliar seus pensamentos, crenças e suposições e a desenvolver cognições e processos alternativos, mais equilibrados, funcionais e úteis”. O objetivo da TCC em hipótese alguma se limita apenas a modificação dos pensamentos disfuncionais como dos comportamentos desadaptativos, pois, segundo Carvalho (2010, p. 105-106) “ela enfatiza o processo cognitivo envolvido no aprendizado: identificar o problema e buscar soluções, alternativas ou estratégias para uma adaptação adequada”.
Para Bandura (1977) e Rotter (1982), “as recompensas comunicam expectativas e correspondem à função de motivação, atenção e retenção”, aspectos da aprendizagem social (modelagem) que remete ao envolvimento e direcionamento ao que é importante; resgata-se a crença de auto-eficácia, produto de sua auto-regulação, se ensina e se pratica estratégias ou habilidades em resolução de problemas, o que começa no ato do reforçamento explícito ou quando como nos explicas Knell (1993) “as crianças são reforçadas a arrumar seus brinquedos na sala de jogos, completar a tarefa de casa, revelar seu pensamentos e seus sentimentos. (FRIEDBERG & McCLURE, 2004)
Em fim, a aplicabilidade dos instrumentos como o lúdico, e outros tipos de instrumentos (desenhos, escalas, inquéritos, testes psicológicos, e etc.) derivam do foco, da escola e da coerência terapêutica.
Não se pode nunca desacreditar dos achados de Sigmund Freud e de seus sucessores como Klein, Ana Freud e Winnicott. Sem tais achados não seria possível por assim dizer termos hoje um modelo, mesmo que ainda indefinido, de terapia infantil. A partir de Freud fora possível formular diferentes perspectivas de tratamento para o mesmo foco, A CRIANÇA.
Afinal, o simples movimento do brincar tanto se remete ao postulado educacional na proposta da pedagogia como sugere Friedrich Froebel¹, quando nas interpretações Freudianas sobre o significado inconsciente à criança. Desta fonte, bebe qualquer linha que se interesse em trabalhar as questões infantis, e mais uma vez o que nos difere são os objetivos terapêuticos e a formatação da estrutura teórica em cada abordagem psicológica.

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Referências:

BECK, Aaron T.; ALFORD, Brad A. O poder integrador da terapia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
CARVALHO, L. B. C. Terapias Cognitivas. In: PINTO, G. C. Psicoterapias, 2: Conheça as diferentes práticas clínicas e escolha. São Paulo: Duetto Editorial, 2010.
FRIEDBERG, Robert D.; McCLURE, Jessica M. A prática clínica de terapia cognitiva com crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2004.
STALLARD, Paul. Guia do Terapeuta para bons pensamentos – bons sentimentos: utilizando a terapia cognitivo-comportamental com crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2007.

sábado, 25 de agosto de 2012

PROFISSÕES DO FUTURO


Conheça as profissões do futuro
Ref. NE-01857

 FERNANDO MANTOVANI

por: Thaís Pacheco


Entre no YouTube e procure o vídeo “Did you know 3.0” (tem versão legendada em português). Ele foi feito por uma galera que pesquisa a área de tecnologia na educação. Os mais descrentes do poder do futuro e da era da informação podem achar uma grande bobagem. Aqueles mais desatualizados podem tomar um susto. Mas, provavelmente, quem entender todas aquelas informações como algo que faz sentido, pode estar a um passo de ser um profissional de sucesso. Como diz o próprio vídeo, “estamos usando tecnologias que ainda não foram inventadas pra criar soluções de problemas que ainda nem existem”. Aliás, é lá mesmo que eles avisam que os 10 empregos que estarão mais em alta em 2010 nem existiam em 2004.

Sim, estamos falando de profissões do futuro, aquelas extremamente necessárias, que precisam de pioneirismo e de profissionais aptos a exercê-las. Hoje, no Brasil, a área de tecnologia da informação, por exemplo, é uma das que mais sofre com uma enorme quantidade de vagas abertas, sem que existam profissionais qualificados o suficiente para preenchê-las. É a personificação daquela frase clichê “mercado promissor e em alta expansão”. Nesta área, de TI, são oferecidas cerca de 110 mil vagas todos os anos. .

Outras áreas também andam em franca expansão. E, na hora de escolher uma carreira, tem função para todos os gostos e habilidades: TI, nanotecnologia, biotecnologia, sustentabilidade, agronegócio e mídias digitais. E, para qualquer área que seja, quem pensa em apostar num campo que permita muitas possibilidades, a boa e velha engenharia continua em alta. .

Mas não só da escolha da profissão vive um profissional. Independentemente do campo de atuação, o sucesso da carreira está intimamente ligado ao modo como você enxerga o mercado, a empresa e as relações humanas. Quem explica isso para o Ragga Drops é Fernando Mantovani, diretor de operações da Robert Half, que é a maior empresa de recrutamento especializado do mundo. Presta atenção, porque conselhos assim são valiosos e não costumam sair de graça:

Você acredita que hoje estamos preparando profissionais pra resolver problemas que nem existem?

Apesar de existir uma série de demandas, o contratante sempre vai buscar o “super-homem” e vai exigir, muitas vezes, até mais do que o necessário para o profissional executar a função pra qual está sendo contratado. A grande questão é que, no fundo, o que diferencia um jovem talento do outro não é conhecimento técnico - uma vez que são todos muito nivelados, por raras exceções -. Não é a capacidade de gerir pessoas, nem a dificuldade em conter a ansiedade, o que é natural em todo jovem.

E qual é essa questão?

Existe um diferencial válido sobre o ponto de vista do aprendizado que é o idioma. Mas, principalmente, o que diferencia o profissional desde o início da carreira dele é a questão comportamental. É a forma como ele aprende a se comprometer com a empresa, a ser pró-ativo ao executar uma função, entregar mais do que pedem, saber trabalhar em grupo, pensar no todo antes do individual. Acho que isso acaba sendo o diferencial de um profissional desde o início de carreira. Isto é o que acaba criando oportunidades pra este profissional ao longo da carreira.

Então você não diria que existem profissões do futuro e sim profissionais?

Bons profissionais sempre terão boas oportunidades no mercado. É lógico que não adianta ser especialista em manutenção de máquina de escrever, porque terá um problema... Mas guardadas essas exceções absurdas, digo que o mercado demanda profissionais de todas as áreas profissionais com este perfil comportamental e, obviamente, com um mínimo de conhecimento técnico. Existem setores que a gente percebe um cenário positivo nos próximos anos? Existe.

Quais são eles?

Aqueles relacionados à biotecnologia; pesquisas da indústria farmacêutica; agropecuária, principalmente relacionados ao etanol e biocombustível, e a indústria de gás, que, com o pré-sal, tem muito por crescer dentro do país. Todo o setor de tecnologia é um segmento em constante crescimento. Acho que é algo que ainda acontecerá ao longo dos próximos anos, porque não é uma coisa que resolve em dois ou três anos. São projetos de dez, vinte anos, até que isso tudo se adeque. Talvez esses setores se destaquem. Mas de uma maneira geral, o bom profissional, com um bom perfil comportamental, vai encontrar oportunidade em qualquer segmento que escolher.

Mas esses setores são promessas para o futuro ou para já?

Um profissional que vai entrar na faculdade hoje vai encontrar um cenário ainda positivo nessas áreas, mas são áreas que começam a sinalizar hoje como uma possibilidade interessante. Daqui por diante terão crescimento pra absorver mão de obra recém formada.

Ouve-se muito falar em engenharia também. Tem processo de trainee pra vaga de vendedor e quem leva é o engenheiro. O que engenharia tem que as outras profissões não têm? Escolher esse curso oferece mais possibilidades?

É um perigo me fazer essa pergunta porque sou engenheiro (Rs). O que as empresas identificam no engenheiro é que o que a faculdade ensina, além do conhecimento técnico, é a forma de pensar. A formação do engenheiro e a forma como ele é ensinado a pensar, acaba criando uma capacidade de ser multifuncional. Não diria que outras profissões não têm a mesma capacidade, mas talvez, o mercado veja isso de uma forma mais expressiva na carreira de engenharia. O engenheiro hoje é mais eclético e mais visto por ser o profissional mais processual e, como todas as empresas têm processos, ele acaba se diferenciando. Assim como o administrador é um profissional processual. Mas o engenheiro tem a vantagem de ter o conhecimento técnico pra também poder trabalhar no chão de fábrica e pra construir.

É formado em engenharia de quê?

Metalúrgica.

E qual é sua função na Robert Half?

Diretor de operações do escritório. Não tem muito a ver, né?

Mas você fez um MBA?

Sim. Em business management. Mas a grande falha da faculdade de engenharia é que é um curso muito exato e pouco voltado pra gestão de pessoas. A maior dificuldade que um engenheiro encontra quando sai da faculdade é entender que 1 1 é 2, mas, quando você envolve pessoas, isso precisa ser tratado de uma maneira mais delicada. Mais humana e menos exata. Talvez esse seja a maior falha da faculdade de engenharia. Apesar de ser eclético, ela não o prepara pra se relacionar com pessoas no ambiente de trabalho. O que é uma vantagem em outras faculdades.

Escolha seu curso

Confira alguns cursos que você pode escolher na faculdade pra entrar nas áreas que prometem:

Tecnologia da informação (TI)

Engenharia da computação
Ciência da computação
Tecnologia em Informática
Ciências matemáticas e de computação
Sistemas de informação
Engenharia elétrica com ênfase em computação
Informática
Engenharia elétrica com habilitação em telecomunicações

Nanotecnologia

Enfermagem
Farmácia
Química
Física
Engenharia de materiais
Bioquímica
Biologia

Nanotecnologia

Enfermagem
Farmácia
Química
Física
Engenharia de materiais
Bioquímica
Biologia

Biotecnologia

Biotecnologia
Tecnologia em biotecnologia
Biologia
Tecnologia em bioprocessos

Sustentabilidade

Engenharia agrícola
Engenharia ambiental
Engenharia agrônoma
Geografia
Ecologia

Agronegócio

Gestão em agronegócio
Agronomia
Tecnologia em logística para o agronegócio

Mídias digitais

Belas artes
Design
Tecnologia e mídias digitais
Comunicação social

Escutatória 
Rubem Alves - 20/05/200

Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade:
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios:
Reunidos os participantes, ninguém fala.
Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de silêncio...
Expulsando todas as ideias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.
Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio,
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria faiar quando você terminasse sua (tola) fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi ø que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior pue uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio, A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí. livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve ao silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.....
Alfabetização: O prazer de aprender
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle - 04/08/2010

Nunca tivemos acesso a tantas informações como agora! É fantástico o poder da comunicação... e como ela pode irremediavelmente acentuar o abismo entre dois mundos: os que participam do progresso e os que caminham na outra margem. Notícias, além de impressas, correm em rádios, televisores, telefones... mas o aproveitamento dos avanços na comunicação exige conhecimentos de leitura. Experimente fazer compras sem ler os detalhes do bem adquirido, buscar uma condução popular, para um lugar não rotineiro, sem ler o itinerário do ônibus, utilizar um caixa eletrônico sem compreender as instruções interativas... e assim por diante, para não seguir com uma lista infindável do desconforto da marginalização que o analfabetismo opera. Que empregos sobram para pessoas despreparadas? Mais do que nunca, a necessidade de uma alfabetização funcional (não apenas a assinatura do nome) é reconhecida como indispensável.
Qualquer adulto sabe, e os estudos científicos em Neuropsicologia comprovam, que na infância se aprende com mais facilidade devido a características próprias do desenvolvimento da criança. Já não é um problema a compreensão dos pais de que as crianças devem freqüentar a escola; elas são matriculadas cada vez mais cedo, de forma que a escola (creche) assume a tarefa de educar, não apenas instruir. Por que, com tantos progressos reconhecidamente alcançados na Educação, nossos resultados, no Brasil, não são os esperados? Por que apesar de leis bem articuladas que beneficiam até a inclusão de deficientes para que ninguém fique fora do processo educativo, os resultados educativos são tão trágicos? Por que não encaramos com seriedade o problema em vez de mascarar resultados com soluções politiqueiras como garantir aprovação, oferecer certificados de cursos ou até vagas universitárias para fingir que está tudo bem? Será mesmo um benefício ocupar uma posição que não corresponde ao que se consegue desempenhar? Não seria melhor oferecer realmente a possibilidade de acesso à participação na sociedade brasileira em igualdade de condições, potencializando a capacidade do aluno através do fortalecimento do ensino, das pesquisas e da aplicação prática dos conhecimentos, valorizando aqueles que se dedicam nessa missão?
“A alfabetização deve proporcionar os resultados determinados pelo uso correto do método adequado, mas deve, ainda, desafiar aqueles que o aplicam a embarcar na experiência da construção ensino-aprendizagem, considerando as características socioemocionais infantis, o ambiente ecológico e a prevenção, ou seja, o fortalecimento de resiliências no enfrentamento de ambientes de risco.” (Valle, 2005) De nada adianta, entretanto, a boa vontade do professor, se não lhe for oferecido recurso necessário para lidar com as dificuldades com que se defronta. Nossos professores alfabetizadores não têm como segurar a criança de hoje na escola, fazendo tarefas repetitivas, quando ainda nem têm o amadurecimento para compreender a importância desses conhecimentos no futuro, mas sabendo que a escola não se interessa pelo que lhe agrada e, portanto, a satisfação pessoal concorre com suas obrigações escolares e... o aluno se rebela. Os resultados do desinteresse do aluno aparecem no seu desempenho, colocando professores e pais em oposição à criança, que vai gostar cada vez menos de aprender. E o pior... como a criança está em fase de formação de personalidade, não aprender é impossível! Ela aprendeu, sim! Aprendeu que detesta aprender, porque aprender está relacionado com “estudar”, que se liga a ser obrigado a ficar sentado longo tempo fazendo o que não quer, além de receber “castigos e repreensões”. Só não aprendeu o que precisava: a construir o próprio conhecimento, a se deliciar com as aventuras do saber e a se lançar nesse prazer infinito de viver aprendendo a cada dia, como manda a natureza!
“O propósito da alfabetização é ajudar as crianças a compreenderem o que lêem e a desenvolver estratégias para continuar a ler com autonomia. Da mesma forma, o propósito de escrever é comunicar, de modo que um leitor, situado remotamente no tempo e no espaço possa compreender o propósito e o sentido do que foi escrito”, conforme apontam os estudos da Comissão de Educação e Cultura (2003, p. 25 a 28) que concluíram, como um fato científico, bem estabelecido, que aprender a ler requer:
• Compreender o princípio alfabético.
• Aprender as correspondências entre grafemas e fonemas.
• Segmentar seqüências ortográficas de palavras escritas em grafemas.
• Segmentar seqüências fonológicas de palavras faladas em fonemas.
• Usar regras de correspondência grafema-fonema para decodificar informações.
O professor precisa estar atento a cada um de seus alunos, ensinando a cooperação com o colega, num ambiente com oportunidade para todos, cada um a seu modo, sem espaço para fracasso, porque o erro, antes de ser um final, é o início de uma solução. A leitura precisar ser mais que uma técnica, ainda que se fundamente nela, precisa atender ao interesse do leitor, uma pessoa inteira, não importa a idade.
Com base em pesquisas que realizamos anteriormente (Ribeiro do Valle e Guzzo, 2004) acreditamos que a educação é um processo de transformação e a criança é parte integrante de sistemas ecológicos que a influenciam, aos quais reage com características individuais, que diferenciam cada uma. Na fase de alfabetização, a criança está começando a descobrir seu mundo, buscando seu espaço e adaptação e, por isso, muitos fatores precisam contribuir para que ela alcance bons resultados escolares. É importante oferecer instrumentos para a prática da alfabetização, levando em conta a apresentação dos fonemas com palavras-chaves ligadas a figuras significativas, demonstração da forma de traçar as letras, jogos e brincadeiras que permitam o desenvolvimento das habilidades perceptuais visuais, auditivas e motoras e a fixação dos conhecimentos de leitura e escrita; é importante também integrar sistemas necessários à construção do mundo infantil, trazendo as vivências da criança para dentro da escola, valorizando a interação com a família e com a comunidade, estimulando a sensibilidade, o pensar junto ao espaço onde vive e onde sua atuação deve ser significativa.
Desenvolver mais trabalhos para a questão da alfabetização parece atender a uma necessidade atual, principalmente, ao reunir os trabalhos de pesquisadores da aprendizagem numa visão que engloba percepções diversas e as adapta à realidade brasileira, às possibilidades de crianças especiais e a um sistema sempre renovador, enfatizando as afirmações de que “a alfabetização precisa ser reinventada, recuperando sua especificidade, mas não podemos voltar ao que já foi superado. A mudança não deve ser um retrocesso, mas um avanço”. (Soares, 2003)
A alfabetização deve ser um instrumento de integração da criança em seu ambiente, favorecendo o desabrochar de seu potencial pessoal. A compreensão da linguagem escrita, independente de sua execução supõe uma estruturação mental mais abstrata e associativa, capaz de lidar com decodificações e interpretações mais abrangentes e flexíveis. A escrita é uma forma de representação como a observada na fala. O processo de alfabetização se estabelece na ação do corpo sobre o meio. Depende da consciência corporal e do desejo de representar suas experiências, assim como da necessidade de compreender o que outras pessoas escreveram. Cada criança possui suas características próprias e experiências específicas já vividas que vão lhe permitindo compreender, utilizar conceitos e internalizar imagens num progressivo distanciamento do momento presente, numa aprendizagem que se agiliza e se efetua na ação frente ao meio (a alfabetização não acontece ao acaso). Brincar é a atividade que integra a criança na vida em comunidade e representa um elemento essencial à saúde física, emocional e intelectual do ser humano em fase de desenvolvimen
to. Auto-estima, relacionamentos sociais e alfabetização podem ser construídos paralelamente e essas aquisições podem resultar num sujeito participante, em condições de exercer sua cidadania.
Nossa proposta supõe um constante brincar para que a aprendizagem se efetive através de compreensão, atenção, repetição, envolvimento, teatro (expressão corporal) e associação. Valoriza-se a estimulação do raciocínio, da percepção e do domínio da impulsividade, através do planejamento da ação, pela análise da informação, com o apoio (mediação) daquele que ensina (2003). Mais do que a técnica, que vai aproximar a criança do mundo pelo aumento de sua capacidade de comunicação, a alfabetização pode desenvolver o “aprender a pensar”, essencial para a formação infantil, mas a aprendizagem é uma conquista pessoal e intransferível, precisa estar relacionada com o interesse da criança e com o ambiente em que se insere, atuando nele, e com acertos e erros.
O processo de aprendizagem de leitura e escrita é a chave para conduzir a criança à realidade de seu mundo mágico, onde suas possibilidades se concretizam e uma sociedade melhor pode tomar forma, pelo prazer de aprender e sem riscos de fracasso: “A aprendizagem busca a necessária flexibilidade diante de uma realidade apenas relativamente formidável, valorizando o contexto do erro e da dúvida, pois quem não erra e não duvida não pode aprender”. (Demo, 1999)
Referências bibliográficas:
Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. 2003. Alfabetização infantil: novos caminhos. Relatório final: Cláudia Cardoso Martins (Ph.D. Psicologia, Universidade de Illinois); Fernando César Capovilla (Ph.D. psicologia Experimental, Temple University); Jean-Emile Gombert (Doutor em Psicologia Genética, Ecole des Hauters Etudes em Sciences Sociales, Paris); João Batista Araújo e Oliveira (Ph.D. Flórida State University); José Carlos Junca de Morais (Doutor em Ciências Psicológicas, Universidade Livre de Bruxelas); Marilyn Jaeger Adams (Ph.D. Psicologia
Cognitiva e Desenvolvimento, Brown University); Roger Beard (Ph.D. Psicologia, Leeds, Inglaterra) Brasília, DF.
DEMO, P. 1999. Educação e Desenvolvimento: mito e realidade de uma educação possível e fantasiosa. Campinas: Papirus.
RIBEIRO DO VALLE, L. E. L. 2003. Cérebro e Aprendizagem: um jeito diferente de viver. 2ª ed. São Paulo: Tecmedd.
RIBEIRO DO VALLE, L. E. L. 2004. Desenvolvimento Infantil. Ribeirão Preto: Tecmedd.
RIBEIRO DO VALLE, L. E. L. 2005. MAIS – Alfabetização: o prazer de aprender. Rio de Janeiro: WAK Editora.
SOARES, M. 2003. A reinvenção da alfabetização. Presença pedagógica, jul/ago. v.9 nº 52.