ESCRITA ESPELHADA
É comum nos primeiros registros escritos
observarmos as crianças escrevendo letras, números e palavras de trás para
frente. Por que isto acontece? Em primeiro lugar, trata-se de um fato normal no
processo de aprendizagem da linguagem escrita porque nas primeiras tentativas a
criança ainda não sabe todas as regularidades. Por exemplo: em nossa cultura se
lê e se escreve da esquerda para a direita, ao contrário de outras culturas
como a árabe e a hebraica que escrevem da direita para a esquerda, ou ainda os
chineses, que escrevem de cima para baixo.
Também é necessário compreender que a criança em fase de
alfabetização está adquirindo a noção de direita e esquerda. No entanto, pode
ser auxiliada no desenvolvimento desta competência através de jogos
e brincadeiras que envolvam principalmente o corpo. Este
conhecimento, dentre outros, é muito importante para a alfabetização.
De qualquer forma, nesses
primeiros passos no caminho da alfabetização, é frequente os pais ficarem
angustiados ao observarem estas escritas espelhadas acompanhadas também de
falta de letras ou mistura de letras e números. O ideal é deixar seus filhos
fazerem suas tentativas, pois as crianças, conforme pesquisas realizadas por
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (pesquisadoras reconhecidas internacionalmente
por seus trabalhos sobre alfabetização), começam a construir a língua escrita
muito antes de entrarem no ensino formal.
De acordo com Zorzi (2000):
“Por muito tempo e, de modo bastante insistente, temos
sido levados a ver, nos erros e enganos que as crianças fazem ao escrever,
indícios de distúrbios e patologias. Os espelhamentos de letras são um exemplo
típico desta maneira, até mesmo parcial e distorcida, de compreendermos o que é
a aprendizagem.”
As crianças podem, a princípio, além da escrita
espelhada, escrever “formiga” com poucas letras e “boi” com muitas. Isso acontece
porque, no pensamento das crianças, a formiga é pequena, logo precisa de poucas
letras, exemplo: CFAO. Já o boi é grande, então precisa de muitas letras:
JAJNSHSJAKOV. Em outros casos, elas utilizam as letras do próprio nome em ordem
diferente para muitas palavras. Mais adiante passam por outra fase e então
escrevem uma letra para cada vez que pronunciam um som.
Não existe criança que não sabe nada sobre a escrita. O
que acontece é que a criança pensa sobre a escrita formulando hipóteses sobre
ela, para compreender o que a mesma significa. Isto não quer dizer que ela
não precisa de um mediador para aprender a ler e escrever. A ação de um
mediador é imprescindível para fazer com que a hipótese da criança entre em conflito e assim proporcione
o seu avanço.
Feuerstein (1980 apud Beyer,
1996, p. 75) diz:
Por meio do conceito da experiência da aprendizagem
mediada (EAM) nós nos referimos à forma como os estímulos emitidos pelo meio
são transformados por um agente ‘mediador’, usualmente um pai, um irmão ou
outra pessoa do círculo da criança. Este agente mediador, motivado por suas
intenções, cultura e envolvimento emocional, seleciona e organiza o mundo dos
estímulos para a criança. O mediador seleciona os estímulos que são mais
apropriados e então os filtra e organiza; ele determina o surgimento ou
desaparecimento de certos estímulos e ignora outros. Através desse processo de
mediação, a estrutura cognitiva da criança é afetada.
Mas, muitas vezes, quando se ouve dizer que uma criança
de 5 anos está lendo e escrevendo, logo vem aquela preocupação: será que meu
filho de 6 anos tem problemas? Neste caso é melhor agir com bom senso,
respeitando o ritmo de cada um. A escola deve ser parceira dos pais,
dizendo-lhes quando percebe algo que mereça mais atenção.
Zorzi (2000) também comenta:
Estamos, como adultos, fortemente contaminados com noções
rígidas de “certo” e “errado”: se a criança está agindo ou pensando da mesma
forma que nós, então ela sabe, ela está certa, está aprendendo. Caso contrário,
se ela assimila, ou entende uma situação de uma maneira distinta da nossa, que
não está de acordo com nossas concepções e crenças, então ela está errada. Não
está aprendendo. E, se não está aprendendo, então deve ter dificuldades,
problemas, e assim por diante.
Há uma preocupação exagerada para que se leia cada vez
mais cedo. O mais sensato é baixar a ansiedade, acompanhar o desenvolvimento da
criança, confiar na escola do seu filho e proporcionar um ambiente rico em
leitura e escrita, regado com muita paciência e persistência.
No mais é curtir e guardar estas primeiras tentativas de
escrita com o mesmo valor dado às primeiras palavras e os primeiros passos.
Por : SOLANGE MOL PASSOS
Por : SOLANGE MOL PASSOS
REFERÊNCIAS
BEYER, Hugo Otto. O fazer
psicopedagógico: a abordagem de Reuven Feuerstein a partir de Piaget e
Vygotsky. Porto Alegre: Mediação, 1996.
ZORZI, Jaime Luiz. As
inversões de letras na escrita o “fantasma” do espelhamento. 2000. Disponível
em <
http://www.filologia.org.br/soletras/15sup/As%20invers%C3%B5es%20de%20letras%20na%20escrita-%20o%20′fantasma’%20do%20espelhamento.pdf>.
Acesso em 11 fevereiro 2011.
OBRAS CONSULTADAS
FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY,
Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
MACEDO, Lino de; NORIMAR, Ana
Lúcia Sícoli Petty, PASSOS, Norimar Christe. Os jogos e o lúdico na
aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005.
ZORZI, Jaime Luiz. Aprendizagem
e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
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