O ATRASO ESCOLAR E A PROCURA POR ATENDIMENTO EM SERVIÇOS DE SAÚDE.
O
atraso escolar constitui-se em uma das condições decorrentes da
situação de fracasso escolar das crianças no sistema formal de
ensino.
No
Brasil sabe-se que a questão do ensino é muito séria. Boruchovitch
(1994) comentando os dados do MEC de 1980, quanto às porcentagens de
reprovações escolares e o elevado número de estudantes com atraso
escolar, considerou o atraso como um dos importantes fatores
relacionados ao abandono escolar de muitos estudantes.
Muitas
vezes as dificuldades das crianças no processo educacional formal
resultam numa elevada procura por serviços especializados de
psicologia, cuja queixa principal é genericamente chamada de
"problema de aprendizagem" (Marturano, 1993).
Em
nosso meio, nos serviços de atendimento em psicologia infantil, o
que pode ser observado é um grande número de encaminhamentos de
crianças que já em início de escolarização trazem como queixa os
problemas de aprendizagem. Esta queixa constitui-se no motivo
principal de procura aos centros especializados em saúde infantil,
caracterizando a maior proporção de demanda nas Unidades Básicas de
Saúde, nos Ambulatórios Especializados e nas Clínicas Escolas de
diversas localidades do Brasil (Lopez, 1984; Abramovay, Minosso &
Duarte, 1987; Silva, Munõz & Cursino, 1987; Sales, 1989).
Vários
estudos de caracterização do perfil da clientela infantil nos
serviços de atendimento psicológico têm apontado o atraso escolar
como um dos principais motivos de procura por ajuda psicológica
(Martins & Graminha, 1990; Santos, 1990; Figueiró &
Marturano, 1991; Marturano, Magna & Murtha, 1992; Linhares,
Parreira, Marturano & Sant'anna, 1993).
De
um modo geral, estes estudos mostraram uma clientela formada por
crianças na faixa etária de sete a doze anos, com maior número de
meninos, alunos das primeiras séries do primeiro grau, cuja queixa
principal relacionou-se às dificuldades escolares e ao desempenho
acadêmico. Contudo, através da análise dos dados fornecidos pelos
pais em entrevista diagnostica, os autores têm chamado atenção para a
associação de problemas emocionais e comportamentais à queixa
principal.
As
características mencionadas nestes estudos nacionais foram
concordantes com as relatadas em estudos internacionais como os
estudos de Rutter (1974) e Schachter, Pless & Brack (1991) que
apontaram para maior incidência de problemas de aprendizagem em
meninos, nas primeiras séries de escolarização e ainda a associação
das queixas escolares a aspectos cognitivos, afetivos e/ou
comportamentais.
Embora
a aprendizagem escolar constitua-se em um dos indicadores da
capacidade ampla de aprendizagem do indivíduo, na fase escolar o
desempenho acadêmico é percebido pelos adultos como o principal
parâmetro de identificação das possibilidades das crianças. Como
colocaram Carvalho & Térzis (1989), as dificuldades de
aprendizagem escolar e o conseqüente atraso possivelmente são um dos
únicos padrões de referência que as famílias têm para avaliar seus
filhos, embora determinados problemas psicológicos, coincidentes com a
fase de escolarização, não se caracterizem necessariamente como um
problema de aprendizagem.
ATRASO ESCOLAR E A MULTIPLICIDADE DE FATORES ENVOLVIDOS NA SUA PRODUÇÃO.
Múltiplos
fatores ambientais e individuais estão envolvidos na questão da
aprendizagem e do atraso escolar. Fernandez (1990) propõe dois grupos
de fatores vinculados às dificuldades de aprendizagem, sendo o primeiro
relacionado à estrutura educacional e o segundo correspondendo a
causas internas individuais do sujeito ou de seus familiares.
O
processo de aprendizagem é influenciado por uma multiplicidade de
determinantes culturais, sociais e políticos que caracterizam os
fatores ambientais mais amplos, dentre os quais se coloca a estrutura
educacional. A qualidade do ensino nas escolas, o papel social da
escola na vida dos indivíduos (Lindalh, 1988) e o preparo dos
professores (Focesi, 1990a; Focesi, 1990b; Oliveira & Silva, 1990)
entre outros têm um importante papel na condição de aprendizagem
proporcionada às crianças.
Segundo
Lindahl (1988), em nossa sociedade a escola mantém-se como o
principal veículo de educação sistemática, restringindo-se a
transmitir às crianças de modo geral apenas os valores, conhecimentos
e comportamentos da cultura dominante, nem sempre considerando o que
a criança traz consigo de aprendizagens anteriores à escolarização.
Com isto a desadaptação da criança aos padrões esperados pela
escola pode decorrer da descontinuidade das vivências sociais e das
diferentes expectativas de cada classe social.
Considerando
os fatores ambientais, o processo de aprendizagem é ainda
influenciado por determinantes mais imediatos que dizem respeito às
características do grupo familiar do indivíduo quanto ao nível
sócio-econômico, o letramento, e a valorização do ensino formal
(Lindahl, 1988). A exposição ao stress psicossocial múltiplo como uma
condição presente na história de vida da criança, pode
caracterizar-se como agente que fragiliza o indivíduo, favorecendo as
dificuldades frente às demandas escolares (Marturano, Magna &
Murtha, 1992; Marturano, Linhares & Parreira, 1993).
Os
fatores individuais, internos da criança, mais comumente
identificados segundo Pain (1985) são relativos a aspectos
biológicos, cognitivos e/ou afetivos, que isoladamente ou em
interação determinam as condições do aprendizado.
Algumas
alterações orgânicas e neurológicas podem afetar a capacidade
cognitiva e adaptativa. O rebaixamento cognitivo, secundário ou não a
outra patologia, definido como retardo mental implica em
significativa inferioridade do funcionamento intelectual global.
O
Manual de diagnóstico e estatística dos distúrbios mentais,
DSM-III-R (APA, 1989) definiu retardamento mental na criança a partir
da primeira infância sugerindo os seguintes critérios:
a)
"significativa inferioridade do funcionamento intelectual global -
um QI de 70 ou inferior em teste de QI administrado individualmente";
b)
comprometimento no funcionamento adaptativo ou concomitância de
deficits, observados através da eficiência do indivíduo em "alcançar
os padrões esperados para a sua idade, para seu grupo cultural, em
áreas como: habilidades sociais e responsabilidades, comunicação,
habilidades de vida diária, independência pessoal e auto-suficiência"
(p.35).
Considera-se
que os diferentes níveis de funcionamento cognitivo acarretem
desempenhos variados, comparativamente aos padrões esperados para
cada faixa etária, dentro de um mesmo grupo sócio-cultural. A
deficiência mental enquanto comprometimento do funcionamento
intelectual global prejudica o funcionamento adaptativo do indivíduo,
resultando freqüentemente em atraso escolar (Kaplan & Sadock,
1986; APA, 1989).
Nas
diversas estruturas educacionais, dos mais variados países do mundo,
observou-se que em cada grupo etário de crianças em idade escolar
algumas não obtém desempenho adequado em relação ao seu nível geral
de funcionamento intelectual, considerando-se aspectos específicos de
realizações em uma ampla gama de atividades e aprendizagens
escolares (CID-10,1993).
Contudo,
muitas crianças sem alterações orgânicas ou cognitivas apresentam
dificuldades de aprendizagem, o que configura como hipótese
explicativa, a interferência do funcionamento afetivo e das funções
adaptativas na aprendizagem.
A APRENDIZAGEM ENQUANTO FUNÇÃO INTEGRADORA DO EGO.
A
aprendizagem enquanto função egóica caracteriza-se por um processo
amplo, diretamente relacionado ao desenvolvimento psicológico,
permeando todas as fases da vida e sofrendo múltiplas influências.
A
aprendizagem escolar, sob este ponto de vista, constitui-se em um
dos indicadores da capacidade de aprendizagem do indivíduo,
caracterizando a forma como a criança percebe e lida com o seu meio, o
que se relaciona ao seu padrão de adaptação e de saúde mental.
O
processo do desenvolvimento psicológico do ser humano tem sido
objeto de estudo de muitas abordagens teóricas. As abordagens
psicodinâmicas consideram que no processo de desenvolvimento
psicológico, a criança vivência conflitos próprios em cada etapa do
crescimento, com necessidades internas que se confrontam com a
realidade externa. A experiência interna decorrente das várias
vivências permite a formação da auto imagem, do ego e
consequentemente dos mecanismos de defesa do ego. Segundo Klein (1974)
desde o nascimento do bebê a personalidade vai se construindo e as
experiências internas decorrentes do interjogo entre a realidade
subjetiva e a realidade objetiva vão configurando o mundo interno.
Erikson
(1971) propõe uma compreensão da aprendizagem como produto da
interação das necessidades que ao longo do desenvolvimento vão se
modificando e configurando novos conflitos. A maneira como estes
conflitos resolvem-se passa a ter um papel importante na formação da
personalidade do indivíduo, influenciando as etapas posteriores do
desenvolvimento e a forma destas serem experienciadas.
Nesta
concepção, ao nascer a criança não se reconhece enquanto indivíduo,
e percebe o mundo como parte integrante de si, não distinguindo seu
mundo interno do meio externo.
Erikson
relacionou estágios e faixas etárias com as etapas vivenciadas neste
processo, referindo como tarefas de resolução de conflitos do ego, a
relação entre as necessidades internas e as respostas do ambiente.
De acordo com sua concepção, quando o desenvolvimento acontece de uma
forma adequada, cada etapa bem resolvida favorecerá a continuidade
do bom desenvolvimento, e por outro lado, o fracasso em uma dada
etapa poderá comprometer a seguinte.
Segundo
Erikson (1971) nos primeiros 18 meses de vida, a vivência do bebê de
necessidades físicas tais como fome e frio, as sensações de dores, e
as necessidades psicológicas de calor humano e afeto despertam na
criança a expectativa e urgência de satisfação. A percepção da
criança de que precisa de um outro indivíduo separado de si para
poder receber os cuidados de que necessita tem então um papel central
nos primeiros rudimentos de ego.
Por
volta dos 18 meses a 3 anos, quando percebe o externo com confiança e
vivência a satisfação das suas necessidades de uma forma adequada, a
criança começa a se perceber como indivíduo e passa a experimentar
seus limites e possibilidades, buscando autonomia e controle sobre
si. À medida em que a criança sente-se encorajada nesse processo, com
uma imagem de si predominantemente positiva, experimenta
independência e a possibilidade de lidar com novos desafios.
Aos
poucos, na faixa etária de 4 a 5 anos, a criança passa a necessitar
planejar e realizar tarefas, introjetando papéis sociais e a
necessidade de ser aceita enquanto alguém produtivo. O conflito
central nesta etapa decorre da necessidade da livre iniciativa
contrapondo-se às regras sociais. Novamente, a experiência interna de
auto imagem positiva favorecerá a possibilidade da criança
exprimir-se e colocar-se frente às regras.
Dentro
dessa abordagem, independentemente da cultura, num desenvolvimento
tido como normal, as crianças na faixa etária dos 6 aos 12 anos
experimentam a necessidade de aprender com os adultos e desejam
mostrar-se competentes e com capacidade produtiva. Esta faixa etária
em nosso meio corresponde aos anos iniciais de escolarização, cujo
principal objetivo é que as crianças sejam alfabetizadas.
Lindahl
(1988) afirmou que a alfabetização e o desempenho escolar em nossa
cultura são relacionadas à definição das possibilidades de sucesso
ou, em oposição, de marginalização dos indivíduos, tendo em função
disso um papel tão importante na vida das crianças e das suas
famílias. Considerou que, na cultura brasileira, a escola é a
principal instituição responsável pela transmissão dos conhecimentos e
valores que são requisitos para que os indivíduos tenham acesso ao
preparo específico necessário para a produção e o trabalho.
Neste
contexto, a escola pode ser entendida como o representante formal
desta etapa de aprendizagem em nossa cultura (Lindahl, 1988),
constituindo-se em um importante agente socializador, ampliando as
possibilidades de aquisição de conhecimento e de experiências
afetivas.
O
não cumprimento da tarefa psicossocial atribuída às crianças nesta
etapa, cujos papéis sociais e exigências formais de responsabilidade
caracterizam-se pela produtividade escolar, está associado ao
fracasso escolar, e ao comprometimento da aceitação e popularidade da
criança pelos colegas e adultos, favorecendo baixa auto estima,
podendo relacionar-se em alguns casos às condutas anti-sociais e
delinqüentes (Linhares et al., 1993).
A
capacidade adaptativa da criança evidencia-se nas formas como ela
lida com as exigências próprias desta fase, tornando os níveis de
aquisições e amadurecimento alcançados até este momento mais
evidentes. Assim, a aprendizagem formal relacionada às atividades
acadêmicas, constitui-se em uma das dimensões do processo de
amadurecimento, refletindo as aquisições das etapas anteriores do
desenvolvimento e os recursos e limites da criança do ponto de vista
da saúde mental.
O
resultante destas vivências, segundo Pain (1985) engloba uma
multiplicidade de fatores e condições internas e externas que se
relacionam à forma da criança vivenciar situações de aprendizagem.
Segundo Ocampo & Arzeno (1981), a aprendizagem enquanto função
egóica denota as possibilidades adaptativas do indivíduo ao longo da
vida e as suas condições para lidar com dados de realidade,
expressando sua estrutura de personalidade, favorecendo assim o
levantamento de hipóteses sobre sua saúde mental atual e as
possibilidades de seu desenvolvimento futuro.
FATORES AFETIVOS ASSOCIADOS AO ATRASO ESCOLAR.
Vários
autores na tentativa de compreensão dos problemas de aprendizagem
têm focalizado em seus estudos os fatores afetivos associados.
Luzuriaga
(1972), analisando a questão da aprendizagem e sua relação com
fatores afetivos, discutiu que o fracasso escolar pode decorrer da
inadequação do uso do potencial intelectual, estando este a serviço
de dificuldades emocionais. Assim, a criança utilizaria seus recursos
intelectuais em um funcionamento defensivo, numa atividade constante
da mente de evitar o conhecimento. O investimento contra a própria
inteligência estaria associado à negação dos vínculos significativos,
num processo auto destrutivo de desconexão mental.
Os
mecanismos inconscientes relacionados às dificuldades de
aprendizagem também foram abordados por Pain (1985) ao descrever os
fatores afetivos como um dos fatores relacionados aos problemas de
aprendizagem. Em seu trabalho, tratou o não aprender como inibição ou
sintoma, caracterizando essa reação como uma interdição da
satisfação através do afastamento da realidade e busca de satisfação à
nível da fantasia, favorecendo a fixação e impedindo o
desenvolvimento. A autora considerou como manifestação deste processo
uma atividade cognitiva empobrecida, mecanizada e passiva,
caracterizando um bloqueio ao desenvolvimento com comprometimento dos
reais potenciais.
Fernandez
(1990) também considerou que o fracasso escolar relaciona-se
basicamente a processos e desejos inconscientes restritivos do
potencial intelectual decorrentes de dificuldades a nível afetivo.
Em
outro trabalho, Fernandez (1992) discutiu a relação entre os
impulsos agressivos e o processo de aprendizagem, apontando para a
necessidade da ação dos impulsos agressivos para a transformação e
incorporação dos conhecimentos, num constante construir e reconstruir
que se faz a dois (aprendiz e mestre). Neste sentido, as condutas
agressivas caracterizariam-se por desvios na utilização dos impulsos
agressivos que podem estar a serviço da destruição do pensamento e da
criatividade, acarretando problemas de aprendizagem.
Em
estudo de aplicação, Feshbach & Feshbach (1987) observaram que o
desenvolvimento cognitivo e a performance escolar sofreram
interferência direta das disposições afetivas. A expressão de
disposição afetiva depressiva e a agressividade, segundo os autores
parecem fomentar e sustentar um funcionamento cognitivo empobrecido,
com prejuízo nas realizações acadêmicas, o que foi observado
principalmente nas crianças do sexo masculino.
Utilizando-se
do "Children's Depression Inventary" no sentido de relacionar a
depressão infantil coma dificuldade escolar, MacGee & Willians
(1988) observaram que as dificuldades escolares podem estar
associadas a desordens emocionais, tipo depressivas, num espectro
mais amplo.
Hall
& Haws (1989) ao estudar crianças com dificuldades escolares
também observaram muitos indícios de associação dessas à
sintomatologia depressiva.
Estes
estudos mostraram a relação dos aspectos depressivos com as
dificuldades escolares de crianças nos anos iniciais de
escolarização.
Ao
estudar as queixas que motivaram a procura por atendimento
psicológico em uma Clínica Psicológica Infantil da Prefeitura de São
Paulo, Santos (1990) observou que 61,5% ocorriam em função de
distúrbios de aprendizagem. O referido autor pode observar que na
maioria das vezes as queixas escolares encobriam problemas a nível
afetivo. As principais queixas a afetivo foram de nervosismo,
impulsividade, oposição, choro fácil, baixa tolerância à frustração,
falta de iniciativa, apatia, isolamento social, dependência,
imaturidade, medos e manifestações somáticas difusas. Analisando
estas queixas observa-se que elas podem ser divididas em dois grupos
de sintomas, ou seja, queixas relacionadas à dificuldade de controle
frente à frustração e queixas relacionadas à uma auto estima
comprometida, com aspectos de depressão e ansiedade.
Nunes
(1990) ao estudar 60 alunos de 2ª e 3ª série do Iº grau, na faixa
etária entre 8 e 12 anos observou uma relação significativa entre o
fracasso escolar e o desamparo adquirido. As crianças, segundo a
autora, passaram a desenvolver frente ao fracasso uma percepção de
incapacidade frente aos eventos negativos que lhe diziam respeito,
com tendência a apresentar traços de impotência e fragilidade que
acabavam por comprometer seu desempenho escolar. Contudo o grupo se
dividiu quando a autora buscou relacionar o desamparo adquirido à
depressão. Em 50% destas crianças os aspectos depressivos associados
ao desamparo foram auto imagem negativa, apatia, baixo tônus vital e
passividade. A outra metade do grupo, apesar dos sentimentos de
impotência conservaram uma auto imagem favorável, possivelmente em
função da elaboração das perdas e fracassos, e de questões ambientais
mais amplas.
Os
distúrbios de comportamento enquanto problemática afetiva também
parecem relacionar-se às dificuldades de aprendizagem. Schachter, et
al. (1991) observaram uma prevalência de 43% desse tipo de distúrbio
em crianças que traziam como queixa o baixo rendimento escolar.
Ao
estudar as crianças atendidas no Ambulatório de Psicopedagogia do
HCFMRP-USP, Murtha, Magna & Marturano, (1990) observaram que as
crianças chegavam emocionalmente fragilizadas com sentimentos de
inferioridade, e apresentavam melhora após inclusão num programa de
suporte e dessensibilização a curto prazo, possivelmente pela
representação interna de atendimento das suas necessidades, antes
mesmo que se trabalhasse diretamente estas questões.
Marturano,
Magna & Murtha (1993) identificaram nas crianças que buscavam
atendimento no Ambulatório de Psicopedagogia do HCFMRP-USP uma
diversidade de padrões de reação indicativos de problemas afetivos e
comportamentais. Nas crianças com um maior número de queixas
predominaram manifestações ostensivas de agressão/ataque, com
oposição, choro, irritação e agitação. Já entre as crianças com um
menor número de queixas, observaram o predomínio de reações de
evitação, afastamento, dependência e esquiva social, bem como sinais
de pouco vigor nas ações, como apatia e lentidão. Estas observações
foram semelhantes às de Santos (1990) em outro estudo nacional já
referido.
Em
um outro estudo, Linhares et al. (1993) observaram que as crianças
que procuraram o serviço acima referido apresentavam como padrão de
desadaptação afetivo-social "manifestações de nervosismo do tipo
irritação; falta de motivação ou desinteresse; oposição ou
resistência; agitação/choro ou grito; retraimento ou inibição social
e/ou agressividade"(p. 157), estes indicadores foram relacionados a
impulsividade e baixa tolerância à frustração, caracterizando
imaturidade afetiva.
Analisando-se
os trabalhos citados, observou-se que no processo de aprendizagem
escolar, a capacidade de adaptar-se e responder às demandas do meio
pode favorecer ou dificultar as aquisições, implicando em custo
emocional que repercute sobre o desenvolvimento.
COMENTÁRIOS FINAIS
A
questão do atraso escolar envolve uma complexidade de fatores de
natureza diversa mas interrelacionados. Neste sentido, pode-se dizer
que o atraso escolar caracteriza-se como um indicador de dificuldades
no processo do desenvolvimento.
Na
escolarização formal, as crianças enfrentam normalmente novas
dificuldades, que podem ou não repercutir sobre o desempenho
acadêmico. A forma como cada criança lida com estas dificuldades
relaciona-se à qualidade dos seus recursos internos, que vem se
estruturando ao longo dos anos, mais explicitada na situação coletiva
de escolarização.
Assim,
não se pode tomar o atraso escolar em si, como um fato isolado. Do
ponto de vista da interferência de fatores relacionados ao próprio
sujeito, no seu processo de desenvolvimento afetivo o atraso escolar
pode estar representando dificuldades internas da criança no lidar
com a realidade muitas vezes adversa, e neste aspecto ser considerado
como um sintoma de dificuldades afetivas. O atraso escolar
parece ter também uma repercussão interna importante, afetando
processos intra-psiquicos ligados à formação da identidade, e neste
aspecto ser considerado como uma variável favorecedora de
dificuldades afetivas.
Em ambos os aspectos, o atraso escolar tido como sintoma ou como favorecedor
da dificuldade afetiva, observa-se que as crianças que vivenciam a
experiência de atraso escolar experimentam um elevado custo afetivo
relacionado ao processo do aprender, com possíveis repercussões sobre
o desenvolvimento da estrutura da personalidade.
A
atenção psicológica à criança com atraso escolar mostra-se
necessária tendo-se em conta o sofrimento psíquico relacionado aos
custos afetivos do aprender e a etapa do desenvolvimento afetivo em
questão.
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