A (In) Apropriação do Sistema Ortográfico: Um Inimigo Inexorável
Idalena Oliveira ChavesCarlos Roberto Porto 1
RESUMO
A educação brasileira passou por grandes transformações nas últimas décadas e tem
alcançado resultados surpreendentes. Não obstante, uma situação inusitada tem se destacado
devido aos altos índices de abrangência e ineficiência no cenário escolar do país: a
incapacidade de se escrever conforme as regras ortográficas. A cada dia que passa, domina-se
menos a ortografia. Boa parte dos alunos, sobretudo do ensino público, tem concluído o
Ensino Fundamental sem assimilar o sistema ortográfico. Neste trabalho foram feitas análises
dos erros de ortografia, cometidos por alunos do 1º ano do Ensino Médio, que já deveriam ter
sido sanados nas séries iniciais, mas que perduram apesar dos muitos anos de escolarização.
ABSTRACT
Education in Brazil has been through many changes in the last decades and outstanding
results have been achieved. However, an unusual situation has arisen due to a high level of
inefficiency in the educational scenario in the country: the inability to write according to
spelling rules. Spelling rules have been less observed each day. A considerable number of
students, specially from public schools, have concluded secondary school without mastering
the orthographic system. The aim of this paper is to present analysis of spelling mistakes
made by students from the first year of high school. Such mistakes should have been fixed in
the first school years. Yet, they persist in spite of all the years of education.
Palavras-chave: aquisição e desenvolvimento da escrita; ortografia; gramática.
Key-words: acquisition and improvement of writing, speeling and grammar.
Introdução
O objetivo deste trabalho foi o de verificar o domínio das regras ortográficas por parte
dos alunos do 1° ano do Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual de ensino do
Estado de Minas Gerais; bem como mapear os possíveis erros cometidos por estes, a fim de
diagnosticar e propor, se possível, soluções para os problemas apresentados.
1 Idalena Oliveira Chaves – doutoranda em Linguística- Professora do UniBH
Carlos Roberto Porto –Ex-aluno do Curso de Pós-graduação em leitura e produção de textos do UNBH
O artigo está dividido em duas partes: na primeira, apresenta-se o cenário do estudo da
ortografia e os problemas a ela relacionados com alunos em fase inicial de alfabetização e, na
segunda parte, analisam-se e apresentam-se os principais resultados da pesquisa.
O Senso Comum e a Língua Pátria
Faz parte do senso comum a afirmação de que a Língua Portuguesa é uma língua
difícil. Mais do que isso: a Língua Portuguesa é a mais difícil do mundo. Impressões à parte,
sabemos que essa afirmação não se sustenta, mas não há como negar as dificuldades de nossa
língua materna.
Talvez, dentre tantas dificuldades, a ortografia seja um dos maiores desafios do nosso
idioma. Grafar corretamente as palavras conforme a norma padrão é um problema para os
falantes em geral, sobretudo para aqueles que não têm a prática da escrita no seu dia-a-dia, de
modo que não é raro surgirem dúvidas quando há necessidade de se escrever algum texto.
Muitas vezes, para escrever corretamente uma palavra pouco usual, há que se fazer um
esforço de memória, usar analogias ou aplicar alguma regra, a fim de conseguir correção
segundo a gramática padrão da língua. Não obstante, espera-se que anos e anos de estudo nos
permitam o domínio da ortografia, a ponto de essa não se tornar um obstáculo para os que se
ingressam na universidade ou precisem da escrita como um instrumento de trabalho.
O Domínio das Regras Ortográficas
Concluído o Ensino Fundamental, espera-se dos alunos do Ensino Médio o domínio da
norma padrão no que diz respeito à ortografia da Língua Portuguesa, mesmo sabendo que o
nosso sistema ortográfico causa insegurança até nos falantes com maior proficiência.
Prova disso são os estudos acadêmicos sobre ortografia da Língua Portuguesa, como o
de Morais (2000) que apresenta um estudo realizado em escolas municipais de Recife, onde
acompanhou o desempenho de alunos das séries iniciais e a performance de professores na
condução do trabalho de ortografia. Seu trabalho, bastante didático, mostra o lado de quem
aprende e o lado de quem ensina este objeto tão complexo, que é grafar corretamente as
palavras de uma língua.
Muitos são os que dedicam esforços sobre o tema em dissertações e teses em nosso
país, como os trabalhos publicados em Morais (2005) e a dissertação de Guimarães (2005).
Neste a autora descreve e analisa dados de aquisição da ortografia em algumas escolas de
Pelotas, no Rio grande do Sul, realizando um estudo a partir dos textos produzidos, de forma
espontânea, por crianças das séries iniciais. Baseando-se em dados da sua pesquisa e de outras
já realizadas sobre este assunto, as quais fazem parte das referências arroladas na dissertação,
ela demonstra que os erros presentes nos textos derivam tanto das relações que as crianças
estabelecem entre o conhecimento fonético-fonológico e o sistema gráfico, quanto daqueles
relacionados à estrutura do sistema ortográfico.
Contudo, embora existam excelentes trabalhos sobre a aquisição e desenvolvimento
da escrita, esses se restringem à fase inicial da alfabetização, quando a criança se inicia no
mundo do saber acadêmico e ainda não tem experiência de escrita nem prática escolar.
Infelizmente, não se dá atenção especial aos alunos que estão na fase final de escolarização,
que, a essa altura, já deveriam dominar, pelo menos, o que é regular no sistema ortográfico da
língua.
Nessa fase final da alfabetização, os problemas de ortografia são vistos como exceções
e/ou problemas localizados que necessitam de uma ação diferenciada, conforme a dificuldade
apresentada pelo aluno ou pela turma em questão.
Zorzi (1998 : 85 e 86) afirma que:
(...) a primeira constatação que podemos fazer diz respeito a uma tendência observada em
todos os tipos de erros. Sem exceção, existe uma nítida diminuição do número de erros, de
série para série. (...) Esta diminuição no número de erros que se observa da primeira até a
quarta série (...) parece indicar que, progressivamente, as crianças foram apropriando do
sistema de escrita; mais especificamente, conseguiram, aos poucos, ir compreendendo
aspectos fundamentais que caracterizam a natureza alfabética da escrita.
Isso fortalece a tese de que os alunos do Ensino Médio, pela experiência escolar, já
deveriam ter se apropriado do sistema ortográfico. Portanto, ao depararmos com problemas
relacionados à escrita, percebemos que há algo de errado no ensino. Lamentavelmente,
entendemos que em algum momento do processo educacional houve falhas e o objetivo
inicial não foi completamente alcançado; o que nos leva a repensar a nossa prática
pedagógica, a descobrir qual (quais) etapa (s) do processo precisa ser revista e a buscar
soluções práticas para sanar o problema.
Mas é preciso lembrar que não é no Ensino Médio que as medidas devem ser tomadas.
Faz-se necessário solucionar o problema preferencialmente nas séries iniciais ou, quando
muito, nas séries finais do Ensino Fundamental.
Um Encontro Inesperado
Diferentemente do que era de se esperar, quando lemos redações de alunos de ensino
médio nos deparamos com diversos problemas ortográficos, típicos de alunos em fase inicial
de alfabetização. Isso não só contraria as nossas expectativas como também chama-nos a
atenção para um fenômeno indicador de problemas na educação básica de nosso país.
Esse problema vem contribuir para o triste cenário brasileiro, já que estudos, pesquisas
e avaliações recentes2 têm apontado para a ineficiência do ensino brasileiro no que diz
respeito à capacidade de leitura e escrita dos nossos alunos e de grande parcela de brasileiros
que já concluíram o Ensino Médio.
No entanto, a meu ver, essas pesquisas consideram apenas a escrita sob o ponto de
vista da competência linguística na produção de textos coerentes, inteligíveis e adequados à
norma padrão de acordo com o contexto em que eles estão inseridos ou, ainda, a capacidade
de adequar o discurso à situação discursiva e ao seu interlocutor. Pouco se tem pesquisado
sobre os sérios problemas de ortografia de alunos do Ensino Médio. Não se sabe como e nem
por que o “erro” ortográfico persiste após longo período de escolarização.
Nota-se que há alunos que, mesmo apresentando certo domínio da norma padrão da
língua e conseguindo escrever bons textos, apresentam alguns problemas ortográficos. Restanos
saber os motivos que levam esses alunos a apresentarem dificuldades idênticas aos de
alunos em fase inicial de alfabetização, pois o diagnóstico correto nos ajudará a solucionar o
problema com eficiência.
Aprendizagem da Escrita: um Trabalho Reflexivo
Segundo Zorzi (1998), para a aprendizagem da escrita é necessário um trabalho
reflexivo, que envolva múltiplos aspectos como os usos, as funções e a natureza da língua
escrita. Considerando o longo período de escolarização, era de se esperar que essa reflexão já
fizesse parte do processo de aprendizagem dos alunos do Ensino Médio. Mas nem sempre
isso é verdade.
Este autor diz ainda, que a ação do sujeito sobre a língua leva-o em direção à
convenção, uma vez que esta pertence a todos e se constrói para possibilitar a interação.
Sendo assim, onde estaria a falha no desenvolvimento da escrita? Será que nossos
alunos não agem sobre a língua nem interagem com outros sujeitos?
2 PROVA BRASIL e SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica)
É imprescindível descobrir a origem do problema de ortografia de alunos que já
passaram pelo processo de aquisição da escrita, mas não conseguiram concluí-lo. O
entendimento da lógica do “erro” nos ajudará a solucionar um problema que parece agravar-se
com o passar dos anos.
Para isso fizemos uma pesquisa entre alunos do ensino médio fazer um levantamento
dos erros ortográficos, mapeando os casos mais raros; buscar recursos para ajudar o aluno a
apreender o sistema padrão de ortografia da Língua Portuguesa; propor ações específicas que
auxiliem professores na solução dos problemas de ortografia dos alunos do Ensino Médio e
verificar a relação entre os “erros” ortográficos de alunos na fase inicial de alfabetização com
os dos alunos do 1° ano do Ensino Médio.
A Observação a partir de diferentes registros
Na realização desse trabalho, nos baseamos nos dados apresentados no livro de Jaime
Luiz Zorzi, que é resultado de pesquisas com alunos de 1ª a 4ª da rede de ensino particular da
cidade de São Paulo, e os comparamos com os de alunos do 1° ano do Ensino Médio,
observando se os casos se repetem ou se temos diferentes problemas na representação gráfica
desses alunos. Diagnosticado o problema, poderemos propor ações específicas para a sua
solução.
Para tanto, fizemos uma pesquisa qualitativa dos erros de ortografia dos alunos do
Ensino Médio a partir de dois registros escritos: um ditado de pequenos textos jornalísticos e
uma produção de texto dos alunos. Quanto à produção de textos, espelhamos na proposta
apresentada pela Cesgranrio em um de seus vestibulares. Já em relação ao ditado, escolhemos
dois pequenos textos da revista Época.
A utilização desses dois registros se justifica por acreditarmos que o ditado é uma
situação artificial que pode mascarar o verdadeiro conhecimento do aluno e atrapalhar a
observação dos erros, uma vez que o aluno se prepara para fazer o melhor e, às vezes, de
forma negativa, acaba tendo um resultado diferente daquele que a espontaneidade nos
permitiria. Portanto, uma escrita espontânea nos ajuda a avaliar melhor a conhecimento do
aluno.
Os textos selecionados na pesquisa são de alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma
escola da rede pública estadual, localizada na região norte de Belo Horizonte, na divisa com a
cidade de Vespasiano. Trata-se de uma área de risco, em que é muito forte a influência do
tráfico de drogas; e os alunos, membros de classe social menos favorecida, formada por
trabalhadores com mão-de-obra menos especializada, estudam à noite e estão na faixa etária
entre 15 a 65 anos.
Na avaliação do SIMAVE - 2006, a escola ficou abaixo da média estadual, tanto em
Língua Portuguesa quanto em Matemática.
Critérios para Avaliação
Zorzi (op. cit.) apresenta algumas categorias para organizar os erros de ortografia
cometidos pelos alunos da sua pesquisa, Cagliari (1989) e Carraher (1990), em trabalhos
anteriores, também utilizam uma categorização de erros ortográficos para mostrarem que tais
erros têm natureza diferentes e portanto devem ter tratamento diferente pelo professores. Estas
categorizações foram adotadas como referência na análise do nosso corpus. Optamos em
aproveitar a classificação de Zorzi (1998) acrescentando mais cinco categorias, pois desta
forma conseguiríamos contemplar mais desvios da escrita dos nossos informantes e explicar
um número maior de ocorrências de erros. O quadro abaixo ilustra as categorias que
elaboramos para a classificação dos erros ortográficos. Além dos modelos que tínhamos, das
pesquisas anteriores, já citadas, acrescentamos, ainda, o uso indevido de letras maiúsculas e
minúsculas, Acentuação indevida, falta de acentuação, uso indevido ou não-uso do hífen,
Separação indevida da sílaba e desconhecimento de uma regra ortográfica.
tabela 1
Categorias empregadas na classificação dos erros ortográficos
Zorzi – 1998 Este trabalho
1. Representações múltiplas 1. Representações múltiplas
2. Apoio na oralidade 2. Apoio na oralidade
3. Omissão de letras 3. Omissão de letras
4. Junção/ separação não convencional
das palavras 4. Junção ou separação de letra não convencional
O Corpus
Dentre os textos de quase duas centenas de alunos do 1° ano do Ensino Médio,
selecionamos vinte e cinco redações e vinte e cinco ditados. Os textos, de modo geral,
apresentam algum tipo de problema relacionado à ortografia. Poucos são os casos em que os
alunos dominam as regras gramaticais, cometendo infrações que representam um problema
menos grave ou requeira um esforço menor para sanar as dificuldades apresentadas.
5. Confusão entre terminações am x ao 5. Confusão entre terminações am x ao
6. Generalização de regras 6. Generalização de regras
7. Substituição de fonemas
surdos/sonoros 7. Trocas surda/sonoras
8. Acréscimo de letras 8. Acréscimo de letras
9. Letras parecidas 9. Letras parecidas
10. Inversão de letras 10. Inversão de letras
11. Outras 11. Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas
12. Acentuação indevida, falta de acentuação.
13. Uso indevido ou não-uso do hífen
14. Separação em sílaba indevida
15. Desconhecimento de regra
16. Outras trocas
Nessa seleção, tivemos o cuidado de escolher os dois textos dos mesmos alunos, para
que pudéssemos observar se os tipos de erros eram recorrentes nas duas escritas; contudo,
isso não foi possível em todos os casos.
Análise do corpus
A partir da análise do corpus, foi elaborada a tabela abaixo, que apresenta o percentual
dos erros encontrados nos textos dos alunos. Com exceção de uma categoria, Letras
Parecidas, todas as outras figuram como tipos de erros dos alunos. Algumas com pouca
recorrência; outras, porém, com percentuais alarmantes. Vejamos:
TABELA 2
TOTAL DE ERROS
TIPOS DE ERROS QUANTIDADE P E R C ENTUAL (%)
1. Representações múltiplas 140
19,18
2. Apoio na oralidade 18
2,46
3. Omissão de letras 107
14,65
4. Junção ou separação de letra não convencional 24
3,3
5. Confusão entre terminações am x ão 11
1,51
6. Generalização de regras 27
3,7
7. Trocas surda/sonoras 7
1
8. Acréscimo de letras 61
7
9. Letras parecidas 0
0
10. Inversão de letras 2
0,3
11. Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas 59
8,1
12. Acentuação indevida, falta de acentuação. 212
29
13. Uso indevido ou não-uso do hífen 48
6,6
14. Separação em sílaba indevida 4
0,5
15. Desconhecimento de regra 8
1,1
16. Outras trocas 12
1,6
TOTAL 740 100
O que se constata na tabela acima é que 62,83% dos erros concentram-se em apenas
três categorias: Acentuação indevida/Falta de acentuação (29%), Representações múltiplas
(19,18%) e Omissão de letras (14,65%). Vale ressaltar que Zorzi (1988) relaciona
Representações múltiplas e Omissão de letras entre os três principais problemas para os
alunos em fase de aquisição da escrita.
Em primeiro lugar, no índice de erros cometidos pelos alunos, está o problema com a
Acentuação gráfica. Esse critério, embora não fora arrolado por Zorzi (1988), em seu estudo,
revela ser um dado curioso nessa nossa análise porque um número significativo de alunos
apresenta dificuldades no reconhecimento da sílaba tônica. Parte deles não sabe nem sequer o
que venha a ser a sílaba tônica de uma palavra. Outra parte tem algum conhecimento sobre
tonicidade, mas não consegue identificar na palavra qual sílaba é a tônica. Além disso,
desconhecem as regras de acentuação gráfica, não acentuando as palavras ou acentuando-as
de forma aleatória.
Em segundo lugar, está o problema da Representação múltipla. Chama-me a atenção a
quantidade de erros decorrentes do desconhecimento das regras de representação dos fonemas
nos textos analisados na pesquisa. Muitos alunos não sabem usar com propriedade as letras
que representam mais de um fonema ou como é representado um fonema que pode ser
grafado por letras diversas. As ocorrências são várias, mas talvez o problema de representação
do fonema /s/ seja o mais recorrente. Não obstante, um caso que se destaca é o uso da letra C.
Alguns alunos usam indiscriminadamente essa letra sem darem conta de que sua
representação varia de acordo com as vogais que a acompanha, ou seja, esses alunos não
distinguem a representação do fonema /k/ do fonema /s/. De modo que escrevem
*Mocâmbique em vez de Moçambique ou *afanco em vez de avanço.
Em terceiro lugar na lista, aparece o problema de Omissão de letras. Embora os alunos
já tenham completado, em média, dez anos de vida escolar, alguns deles não grafam com
todas as letras muitas das palavras que escrevem. Um grande número de omissão de letras
deve-se ao apoio na oralidade, sendo comum a omissão da letra R no final de verbos no
infinitivo. Mas também ocorre de o ditongo simplesmente deixar de existir
(desperdício/desperdiço), a perda do H inicial (hábito/ abito) ou, ainda, o desaparecimento de
dígrafos (adolescência/ adolecencia; cresce/ crese), dentre outros.
Por fim, aparecem os casos com menos de 10% do total de erros encontrados nos
textos. Dentre eles, pode-se destacar o Acréscimo de letras (7%) e Uso indevido de letras
maiúsculas e minúsculas (8,1%); Uso indevido ou não-uso do hífen (6,6%), Junção ou
separação de letra não convencional (3,3%) e Generalização de regras (3,7%). Dessas,
destaca-se Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas. Não pela quantidade (8,1%), mas
por se tratar de erros primários que infringem regras básicas e são corrigidos incessantemente
desde o início da alfabetização.
As demais classificações dos erros têm índices abaixo dos 3%. São elas: Apoio na
oralidade (2,46); Trocas surdas/sonoras (1,0%); Outras trocas (1,6%); Confusão entre
terminações am x ão (1,51%); Desconhecimento de regra (0,81%); Separação em sílaba
indevida (0,5%) e, finalmente, Inversão de letras (0,3%).
Como se pode observar ao compararmos os tipos de erros descritos na Tabela 1,
podemos dizer que, em maior ou menor grau, os alunos do 1º ano do Ensino Médio, arrolados
nessa pesquisa, apresentam problemas idênticos aos dos alunos de 1ª a 4ª série pesquisados
por ZORZI (1998). O que nos permite afirmar que esses alunos, mesmo com maior tempo de
escolarização, ainda não completaram o processo de aquisição e desenvolvimento da escrita e
não se apropriaram satisfatoriamente do sistema ortográfico da Língua Portuguesa.
Isso se deve a uma desastrosa tríade na realidade escolar brasileira: o sistema
educacional, o equívoco quanto à teoria construtivista e o engano quanto à teoria linguística.
Motivado por modernas teorias pedagógicas, o sistema educacional brasileiro passou
por mudanças que resultaram em inestimáveis avanços, mas também trouxeram resultados
amargos para a educação.
Podemos afirmar que um dos avanços do ensino brasileiro foi o fim da “cultura de
reprovação”. Essa era uma prática injusta, pois se reprovava muito apenas por reprovar,
atravancava o sistema educacional e infringia aos alunos o castigo de repetição contínua, não
lhes dando o direito de uma avaliação qualitativa capaz de considerar o educando como um
ser único, com uma história particular e idiossincrásica. Todavia, nessa história não há apenas
sucessos. Não se pode negar que, ao diminuir o déficit educacional no país - outra conquista
que merece destaque - perdeu-se em qualidade de ensino. O problema de falta de vagas nas
escolas, resultado de baixos investimentos em educação, elevado índice de repetência, dentre
outros, foi resolvido em parte pela “aprovação automática”. Exige-se o mínimo do aluno e
facilita-lhe o avanço à série seguinte, mesmo sabendo que ele acumulará deficiências e
dificilmente desenvolverá habilidades necessárias para a conclusão de uma série, ciclo ou
grau. Isso resulta nos baixos índices de competência escolar que vemos divulgados
constantemente na mídia.
Os outros dois motivos dizem respeito ao duplo equívoco: quanto à Teoria
Construtivista e quanto à Teoria Linguística. Sem demorarmos em análises, gostaríamos de
levantar um ponto importante de cada um desses enganos.
No que tange a Teoria Construtivista, percebe-se uma prática equivocada por partes de
muitos professores, sobretudo em relação à ortografia, pois, nas séries iniciais, houve uma má
interpretação da teoria no que diz respeito à aquisição do sistema de escrita. Por muito tempo,
acreditava-se que, como era necessário abandonar as fórmulas tradicionais do ensino de
ortografia, não havia necessidade de seu ensino; como se a criança por si só, exposta ao
universo da escrita, conseguisse apreender assimilar e fixar as mais diversas regras
ortográficas. Quanto à Teoria Linguística, a história não é muito diferente. Nas séries finais,
houve má interpretação da teoria no que diz respeito à sistematização do ensino da Língua
Portuguesa. Como se acreditou que a produção e entendimento do texto não passa
necessariamente pelo ensino da gramática, perdeu-se na fixação do sistema ortográfico, que,
por sua vez, já não tinha sido bem adquirido, nem bem assimilado nas séries iniciais. Como
resultado, forma-se cidadãos despreparados, que não conseguem escrever corretamente as
palavras das quais faz uso no seu dia-a-dia.
Considerações Finais
Neste trabalho, a análise dos textos dos alunos do 1º ano revela um histórico, no
mínimo, curioso. Por um lado, não é de se esperar que as habilidades de alunos prestes a
prestar exames vestibulares e outros concursos sejam comparadas às de alunos em fase inicial
de alfabetização. Pior que isso é saber que muitos concluirão o Ensino Médio sem vencer o
processo de aquisição e desenvolvimento da escrita, completando os estudos sem mesmo
saber escrever corretamente segundo a norma padrão. Por outro, não há como deixar de
repensar o papel do professor nesse processo de aprendizagem. Não que seja necessário
encontrar um bode expiatório, mas precisa-se de uma nova postura em relação a problema que
parece aumentar com o passar dos anos.
A nossa impressão é de que, em meio a novas teorias, o ensino de ortografia perdeu o
seu valor, e a correção ortográfica já não ocupa um lugar de destaque como deveria. Se este é
o caso, parece-nos necessário rever a nossa postura em relação ao ensino da ortografia, dando
oportunidade aos alunos de aprenderem na escola aquilo que não será ensinado em casa ou em
outro lugar.
Acreditamos que o ensino de ortografia não se restringe a algumas aulas ou a algumas
séries, mas deve sempre permear todo o processo educacional. A todo o momento, temos de
sanar as dificuldades apresentadas pelos alunos, corrigir-lhes os erros e levá-los sempre à
reflexão sobre a língua, uma vez que as propriedades regulares e irregulares da nossa
ortografia exigem muito mais que uma simples memorização.
Não obstante, faz-se necessário que o ensino da ortografia leve o aluno a tomar
consciência de que existem palavras que exigem a consulta a fontes autorizadas e o esforço de
memorização, bem como o ajude a inferir sobre os princípios de geração da escrita
convencional, a partir da explicitação das regularidades do sistema ortográfico.
Por fim, temos de nos conscientizarmos que ainda depende de nós, professores, o
empenho para reversão do quadro desesperador que temos hoje, pois o ensino de ortografia,
mais do que qualquer outro, quase que se restringe ao espaço escolar.
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Daniel. Análise de variações ortográficas. Revista Presença Pedagógica,
Belo Horizonte, março/abril. 1995
Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília. 144p.
GUIMARÃES, Marisa Rosa. Um estudo sobre Aquisição da ortografia nas séries iniciais,
2005. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, UFPel, Pelotas, 2005.
disponível no site
http://www.ufpel.edu.br/fae/ppge/arquivos/File/teses_e_dissertacoes/marisa_carlota_rosa_gui
maraes.pdf
MORAIS, Artur Gomes de (Org.) O aprendizado da ortografia. 3. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005. 139 p.
MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. 3. ed. São Paulo: Ática, 2000.
128 p
ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever: uma apropriação do sistema ortográfico. São
Paulo: Artes médicas, 1998.
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