Dossiê
Os limites no final da Adolescência
São os limites impostos pelo orgânico, o anímico, o familiar e o social que marcam a adolescência, particularmente a sua etapa final, e que impactam a vida emocional, podendo gerar comportamentos defensivos
Por Gleyp Costa
Em 1977, a OMS definiu como adolescência a etapa da vida compreendida entre os 10 e os 20 anos de idade – período geralmente subdivido em três fases pelas estatísticas de saúde pública: inicial (10 a 13 anos), média (14 a 16 anos) e final (16 a 20 anos). Contudo, atualmente, a tendência é situá-la entre os 15 e os 24 anos, idade em que uma parte expressiva dos filhos ainda reside com os pais e deles depende economicamente. Além desse prolongamento da adolescência, consta-se um apagamento de suas fronteiras, que se estabelece em consonância com a progressiva liquidez dos vínculos humanos, apontada por Bauman (2003) em sua análise sociológica da pós-modernidade. Como resultado, o termo “adolescência” tornou- se sinônimo de comportamentos característicos das dificuldades inerentes a essa etapa crucial do desenvolvimento, entre os quais se destaca a desobediência aos limites. Não obstante, são os limites impostos pelo orgânico, o anímico, o familiar e o social que marcam a adolescência, particularmente a sua etapa final. Neste trabalho, vamos abordar alguns desses limites e seu impacto na vida emocional do adolescente, gerando, em muitos casos, comportamentos defensivos.
Um importante limite se impõe ao adolescente por volta dos 18 anos, em consequência da culminação do processo de destituição da autoridade paterna, quando então se vê na contingência de renunciar à ilusão de contar para sempre com um pai supridor e substituí-lo por outro, cuja tarefa consiste tão somente em sustentar palavras. Essa mudança ocorre simultaneamente com o fortalecimento do erotismo genital, em boa medida, até então, investido no crescimento do corpo e experimentado sob a forma de gozo orgânico. A partir desse momento, rompe-se o limite determinado pela discrepância, vigente desde o início da vida, entre a pulsão e a capacidade de satisfazê-la, tornandose o seu desenlace através do coito impostergável. Com o descenso do ideal endogâmico, o adolescente ingressa em um novo espaço conotado com um signi ficado diferencial a partir do estabelecimento de metas ligadas às atividades laborais e ao amor em um contexto extrafamiliar (Maldavsky, 1992).
Impacto e os desdobramentos anímicos do final da adolescência
Paulo, atualmente com 36 anos, queixa-se de apresentar períodos de desânimo, de facilmente sentir-se diminuído diante dos colegas de profissão e, com alguma frequência, de julgar que desconhecidos estão pondo dúvida em sua masculinidade. Quando procurou a ajuda de um analista, acabara de se separar de sua primeira esposa, e seus sintomas haviam piorado bastante, a ponto de encontrar-se com dificuldade para trabalhar. Aos 17 anos, Paulo sentia-se muito franzino para enfrentar os colegas da escola e com sérias dificuldades de se aproximar das garotas de sua idade. Acredita que foi a partir dessa idade que começaram a surgir os seus sintomas, atenuados na ocasião com a compra de uma moto. A aquisição de motos e carros mais potentes e mais valiosos, aliás, tem sido uma tônica na vida de Paulo, ocorrendo sempre que se sente diminuído. Muitos outros detalhes da vida desse paciente reforçam a constatação evidenciada pela clínica e desenvolvida neste trabalho de que um número bastante grande de indivíduos não consegue superar os limites dos contingenciamentos físicos e emocionais do final da adolescência, determinando o surgimento de sintomas que tendem a se agravar com as exigências da vida adulta e a perda real dos pais. No caso de Paulo e de muitos outros, de ambos os sexos, torna-se evidente o caráter homossexual desse aferramento à figura paterna.
O caminho do crescimento
Segundo a OMS, adolescência está entre os 10 e os 20 anos de idade. No entanto, a tendência é situá-la entre os 15 e 24 anos, pois é grande o número de jovens que ainda dependem economicamente dos pais
No entanto, o sucesso nessa incursão em espaços e vínculos extrafamiliares somente é atingido após o percurso de um caminho difícil ao longo das etapas anteriores da adolescência, com barreiras que cobram, para serem ultrapassadas, a elaboração de lutos, o estabelecimento de novas representações, a constituição de novas identificações e, como meta mais exitosa, o acesso a formas de maior complexidade nas relações com o outro – uma conquista que institui a alteridade e, por consequência, a genitalidade adulta. Quando, então, tudo o que era percebido como quantidade se organizará como qualidade psíquica, e o desejo buscará o além de mim. Nessa caminhada, o indivíduo não encontrará jamais a satisfação plena e definitiva, mas construirá sentidos para a sua vida em uma gama infinita de possibilidades na sua relação com o desconhecido outro. Nesse respeito pelo desconhecido, nascem a ética e a hospitalidade no relacionamento humano. No plano amoroso, o princípio de autoconservação se entrelaça com o princípio de conservação da espécie sob a égide da pulsão sexual (Levinas, 1961; Ventura e Royo, 1994; Derrida, 2003; Nosek, 2009).
Ao mesmo tempo, o pré-consciente se reestrutura com base na realidade consensual, admitindo a incompletude humana e o juízo sobre a inevitabilidade da morte, particularmente após a perda de entes queridos que, a partir dessa etapa da vida, começam a ocorrer naturalmente. Isso é possibilitado pela hegemonia do ego real definitivo e do juízo de existência conferido por esse desenvolvimento egoico, quando, então, o indivíduo adquire a capacidade de sublimar as aspirações pré-genitais, as quais vão gerar a pulsão social, que reinveste a representação grupo no contexto laboral e institucional.
Não obstante, essa abertura para o universo exogâmico não raro revela impasses e disfarces, os quais se expressam, de um lado, pelo estancamento libidinal e, de outro, pela pseudomaturidade como forma de evitar as exigências da vida adulta. Nessa linha, o esporte, a arte, a religião e até mesmo o estudo são canais que, muitas vezes, facilitam essa fuga. Por outro lado, o uso exagerado de mecanismos de defesa, como a desmentida e a desestimação, pode gerar, com o tempo, graves manifestações psicopatológicas, entre as quais psicoses, perversões e enfermidades psicossomáticas.
Grande parte dos indivíduos não consegue superar os limites físicos e emocionais do final da adolescência, determinando o surgimento de sintomas que tendem a se agravar na vida adulta
O termo “adolescência” tornou-se sinônimo de comportamentos característicos das dificuldades inerentes a essa etapa crucial do desenvolvimento
Tipos de libido
A libido estancada pode ser de dois tipos: narcisista e objetal. No estancamento da libido narcisista, a angústia se apresenta como pânico hipocondríaco, prevalente nos adolescentes que desenvolvem condutas aditivas. No estancamento da libido objetal, um sadismo irrefreável não tem objeto sobre o qual recair, promove um tipo particular de afeto tóxico e gera uma angústia violenta que não pode ser processada, se transformando em estado letárgico, no qual falta o matiz afetivo que confere qualidade aos processos pulsionais. Entretanto, na maioria das vezes, essas manifestações dos estados de êxtase libidinal narcísica e objetal são episódicas, não chegando a se estruturar como quadros estáveis (Almasia e Scokin, 1994).
De fato, a desmentida da perda do pai provedor implica um esforço por conservar uma posição homossexual, sendo que, no caso da mulher, a meta geralmente é feminilizar a figura paterna. Os adolescentes se rebelam não apenas contra o que os pais procuram sustentar com suas palavras e certas normas impostas pela sociedade, mas também contra seus próprios processos intrapsíquicos que percebem conduzi-los a uma vida adulta inevitável (Maldavsky, 1992).
• Reelaboração do narcisismo •
Há hoje uma notória ênfase à profunda submissão do adolescente a um estado de aparente plenitude e ao prazer imediato. Essa busca frenética pela felicidade absoluta é muito discutida pelo sociólogo Zygmunt Bauman. Suas obras são referência na análise da sociedade líquida. O médico e psicanalista José Outeiral tem em sua obra Adolescer o cenário dos conflitos desta pós-modernidade. Alguns traços como velocidade, cultura do descartável, banalização, fragmentação, mundo de imagens, virtualidade, globalização, dessubjetivação, desterritorialização, des-historicização, entre outros fatores são abordados na evidência de incertezas e dúvidas diante de uma adolescência cada vez mais precoce.
REFERÊNCIAS
ALMASIA, A. e SCOKIN, M. S. “Transformaciones en la adolescencia media”. In: NEVES, N. e HASSON, A.
(1994). Del suceder psíquico: Erogeneidad y estructuración del yo en la niñez y la adolescência. Buenos Aires: Nueva Visión.
BAUMAN, Z. (2003). Amor líquido: Acerca de La fragilidad de los vínculos humanos. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005.
DERRIDA, J. “Desconstruindo o terrorismo”. In: BORRADORI, G. (2003). Filosofi a em tempo de terror: Diálogos com Habermas e Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
FREUD, S. (1905[1901]). Fragment of an analysis of a case of hysteria. S.E., V. 7.Londres: Hogarth Press, 1975.
_______ (1911). Psycho-Analytic notes on an autobiographical account of a case of paranoia (dementia paranoides). S.E., V. 12. Londres: Hogarth Press, 1975.
LEVINAS, E. (1961). Totalidade e infi nito. Lisboa: Edições 70, 1988.
MALDAVSKY, D. (1992).Teoria y clinica dos processos tóxicos: Adicciones, afecciones psicossomáticas, epilepsias. Buenos Aires: Amorrortu.
NOSEK, L. (2009). “Corpo e infi nito: notas para uma teoria da genitalidade”. 46º IPA Congress, Chicago.
VENTURA, A. e ROYO, S. “Adolescência tardia”. In: NEVES, N. e HASSON, A. (1994). Del suceder psíquico:
Erogeneidad y estructuración del yo en la niñez y la adolescência. Buenos Aires: Nueva Visión.
Gleyp Costa é membro titular e didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA)
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