quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ALFABETIZAÇÃO/ INTELIGÊNCIA

O Luizinho da segunda fila

Marcelo é um excelente professor de Geografia. Na aula sobre o Pantanal até excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão. Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia-a-dia de cada um.

Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal, seus rios, suas aves, sua vegetação... a planície imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra, suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria que corrigir, mas vibrava...Sentia que os alunos aprendiam. Descobria o interesse que sua ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou:

-Posso pegar mais uma folha em branco?

O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luizinho, aquele da segunda fila. – Puxa vida! – pensava – Luizinho assistira todas as suas aulas, arregalara os olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade total... nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar. Luizinho pagaria seu preço, iria certamente para a recuperação. Se duvidassem poderia, até mesmo, leva-lo à retenção. Seria até possível arrancar um ano inteirinho de sua vida...

Minutos depois, avisou que o tempo estava terminado. Que entregassem suas folhas. Viu então que, rapidamente, Luisinho desenhou, na primeira página das folhas da prova, o Pantanal. Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se, ao ver aquele quadro, de irretocável perfeição, nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras. Entusiasmado indagou:

-E aí, Luis? Você já esteve no Pantanal?

Não. Luizinho jamais saíra de sua cidade. Construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas. Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia com suas palavras construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente de seu aluno.

Mas, deu zero pela redação. É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas da prova.

A história de Luizinho repete-se em muitas escolas.

Sua Inteligência pictórica é imensa, colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como conseguia. Mas, não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir linguagens diferentes da que a escola instituiu como única e universal.

(Trecho do Livro Marinheiros e Professores, 6a ed., Petrópolis, Vozes, 2000, p. 72-73, Celso Antunes)

A história de Luizinho continua repetindo-se em muitos cenários dentro e fora do Brasil; crianças, adolescentes e adultos que por responderem de forma diferente do que o desejado são colocados na posição desconfortável e muitas vezes aniquiladora do "incompetente", ou seja, aquele que mostra-se não capacitado a desenvolver certa tarefa.

No século XX nossa sociedade maravilhou-se com a possibilidade de medir a inteligência de um sujeito, através dos famosos testes de QI - cujo resultado expressa o coeficiente entre a idade mental pela idade cronológica, multiplicado por 100. Saber se alguém era ou não inteligente mostrava-se fundamental para "classificar" ou "desclassificar" alguém.

Em 1980 Howard Gardner lançou um livro chamado Inteligências Múltiplas, que fez muito sucesso no mundo inclusive no Brasil, mudando a visão e ação de muitos educadores e profissionais, sendo hoje prática pedagógica em inúmeras escolas em todo mundo. Segundo Gardner há uma outra perspectiva para a inteligência "...podemos entender a Inteligência como a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários" diz Gardner.

As pessoas são apenas diferentes umas das outras. Portanto, o papel do educador é aceitar essas diferenças como algo natural, visto que todos possuimos"forças" e "fraquezas", sendo um grande engano acreditar que existe uma única inteligência em termos da qual todos poderiam ser comparados.

Gardner em seu livro: "Inteligências Múltiplas – A teoria na prática", define sete tipos de inteligências:

•Inteligência lingüística - é o tipo de capacidade exibida em

sua forma mais completa, talvez, pelos poetas. Quando trabalhada esta inteligência, leva a pessoa a expressar-se com mais clareza utilizando-se da fala e escrita para expressar sua realidade, sonhos e relacionar-se.

Inteligência lógico-matemática - como o nome indica, é a capacidade lógica e matemática, assim como a capacidade científica. O estímulo para seu desenvolvimento estruturam na pessoa novas formas sobre o pensar e uma percepção apurada dos elementos da grandeza, peso, distância, tempo e outros que envolvem ação sobre o ambiente.

Inteligência espacial - é a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo. Quando estimulada desperta a pessoa para a compreensão mais ampla do espaço físico e temporal onde vive e convive e sensibiliza para a identificação de suas referências de belezas e fantasias.

Inteligência musical - está ligada às pessoas que conseguem identificar sons, ler e criar músicas com facilidade, expressando-se através desta linguagem.

•Inteligência corporal-cinestésica - é a capacidade de resolver problemas, comunicar-se ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro, ou partes do corpo, controlando os movimentos e manipulando objetos com destreza. O estímulo dessa inteligência pode privilegiar dois campos que se complementam: a sensibilidade ampla, ligada a força, equilíbrio, destreza e outras manifestações do corpo como um todo, ou a sensibilidade fina ligada ao tato, paladar, olfato, visão, atenção e outros componentes. Seu estímulo ensina a pessoa a "ver"e não apenas olhar.

Inteligência interpessoal - é a capacidade de compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham, como trabalhar cooperativamente com elas. Buscar a empatia com abertura e controle emocional a fim de responder adequadamente as atitudes, emoções, motivações e desejos das outras pessoas.

Inteligência intrapessoal - é uma capacidade correlativa, voltada para dentro, de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efetivamente a vida, ou seja de buscar o autoconhecimento, tendo uma boa percepção de sua identidade assim como a capacidade de discernir e dominar suas emoções.

Após esse primeiro momento continuando seus estudos em seu instituto, Gardner encontrou mais três inteligências:

Inteligência Pictográfica - observada em pessoas que conseguem se expressar pela pintura, desenho, escultura ou imagens gráficas.

Inteligência Naturalista - competência do homem de entender o mundo e a natureza, perceber e compreender a sua mortalidade, a vida como um todo e as diferenças entre os diversos tipos de vida existentes no planeta.

Inteligência Existencial – Fazer perguntas básicas sobre a vida, a morte, o universo. Capacidade da pessoa em situar-se ao alcance da compreensão integral do cosmos, do infinito e o infinitesimal, assim como a capacidade de dispor de referências a características existenciais da condição humana, compreendendo de maneira integral o significado da existência, portanto, da vida e da morte, o destino do mundo físico e psicológico e a relação do amor por um outro, pela arte ou por uma causa.

Com essa descoberta Gardner quebrou paradigmas e a este respeito Celso Antunes diz: "Esses paradigmas, ainda que não modifiquem os tradicionais conceitos usados para definir "Inteligência", alteram, e de forma extremamente sensível, a compreensão sobre como aprendemos ou não aprendemos, e principalemtne substitui a concepção de que possuímos "apenas uma inteligência". Derruba-se o mito de que a transmissão de informações pode tornar pessoas receptoras mais inteligentes e descobre-se que, na realidade, abrigamos um elenco extremamente diversificado de "diferentes" Inteligências, sensíveis a estímulos que, se aplicados através de um projeto e nas idades convenientes, altera profundamente a concepção que o ser humano faz de si mesmo e os limites de suas potencialidades."

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