quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Aprendizagem

Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.80 São Paulo  2009

  

 contribuição para a ampliação do conceito

Modality of learning: a contribution to the enlargement of the concept


Regina Orgler Sordi
Psicóloga; Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professora do Instituto de Psicologia da UFRGS
Correspondência



RESUMO
O conceito de modalidades de aprendizagem é uma das pedras angulares da teoria psicopedagógica clínica por permitir descrever e compreender a forma pessoal com que cada sujeito acerca-se e relaciona-se ao objeto de conhecimento. Este artigo pretende, à luz das contribuições seminais de Sara Paín e Alicia Fernández, bem como, contribuições de autores da filosofia e psicanálise que têm se dedicado ao estudo do pensamento em sua potência estética, ampliar o conceito de modalidades de aprendizagem. Introduz o conceito de recepção, relacionado à dimensão estética do pensamento, o qual, associado aos mecanismos assimilativo e acomodativo, formam uma tríade capaz de incluir, para além dos aspectos recognitivos da aprendizagem, sua dimensão inventiva e problematizadora.
Unitermos: Aprendizagem. Modalidades de aprendizagem. Mecanismos assimilativo/acomodativo.

SUMMARY
Modalities of learning is one of the keystone concepts of the clinical psycho-pedagogic theory which allows to describe and understand the personal way in which one approaches and relates to the object of knowledge. This article intends, enlightened by the seminal contributions of Sara Paín and Alícia Fernández, as well as, authors from philosophy and psychoanalysis who have been dedicated to the study of thought in its aesthetic potency, to enlarge the concept of modalities of learning. It introduces the concept of reception which is related to the aesthetic dimension of thought which, in association to the concepts of assimilation and accommodation, form a triad able to include, more than the recognitive aspects of learning, its inventive and problematical dimension.
Key words: Modalities of learning. Assimilation/accommodation mechanisms. Learning.



INTRODUÇÃO
O estudo sobre a aprendizagem humana, do ponto de vista das significações do aprender, foi fortemente influenciado pelas seminais contribuições de Paín1 e Fernández2. A partir de seus desenvolvimentos, não apenas compreendeu-se melhor a indissociabilidade entre as dimensões conscientes e inconscientes do pensamento, como também, inaugurou-se uma nova disciplina - a Psicopedagogia Clínica - que desenvolveu uma concepção mais complexa do sujeito da aprendizagem. Este último não se limita ao aluno, mas ao sujeito aprendente, aquele que, a partir do vínculo com o outro humano, torna-se capaz de se reconhecer ativo em sua história e de se responsabilizar pela autoria de seu pensamento.
Ao longo de sua obra, Fernández3 chega a reconhecer que vários conceitos serviram como ferramentas importantes e até fundamentais para o desenvolvimento de suas idéias. Reconheceu que um conceito, porém, mereceu atenção especial por parte dos estudiosos de sua obra, bem como, daqueles profissionais que, em suas práticas pedagógicas e/ou psicopedagógicas, ocuparam-se de estudá-lo e melhor compreende-lo. Trata-se do conceito de ''modalidade de aprendizagem". De um único capítulo dirigido ao mesmo, em sua primeira obra2; escreve um novo livro3; no qual dedica, pelo menos, dez de seus dezesseis capítulos a este tema. Entretanto, a autora deixa uma questão para ser melhor estudada e discutida.
Num olhar retrospectivo, a primeira pessoa a introduzir o termo "modalidade", para referir-se à aprendizagem, foi Sara Paín. Baseando-se nas hipóteses piagetinas, desenvolve um modelo de construção de diagnóstico psicopedagógico, para o qual inclui a necessidade de se conhecer a "modalidade do processo assimilativo-acomodativo". Fernández2,3 retomará o conceito de "modalidade", porém, não mais circuns-crevendo apenas ao pocesso assimilativo-acomodativo, tal como preconizado por Paín, mas introduzirá um novo conceito: "modalidades de aprendizagem". Neste sentido, sempre que falamos em aprendizagem, no campo psico-pedagógico clínico, estamos nos referindo simultaneamente a, pelo menos, quatro elementos que compõem o seu processo:- organismo, corpo, inteligência e desejo - todos eles entrelaçados e afetando-se mutuamente. Ora, se o conceito em questão é "modalidades de aprendizagem", este deve incluir os quatro elementos. Na elaboração inicial de Paín1- modalidade do processo assimilativo-acomodativo - estaríamos mais fortemente assentados sobre o vértice da inteligência, um dos elementos da aprendizagem. Acompanhando os desenvolvimentos de Fernández3; vemos que a descrição da modalidade assimilativa-acomodativa não parece ser suficiente para dar conta da descrição das modalidades de aprendizagem, muito embora, assinala a autora, sigamos trabalhando com os mesmos termos hiper/hipo assimilação/acomodação, originalmente apresentados por Paín.
Neste sentido, Fernández3 lança alguns questionamentos: "Então, por que continuamos utilizando os termos ´assimilação´e ´acomodação´para falar do operar intelectual? Tenho me perguntado: será por fidelidade a Piaget? Não creio. Será, então, por fidelidade a Sara Paín? Poderia ser, mas no momento, ainda não encontrei outros termos que me satisfaçam" .
O presente artigo apresenta uma contribuição no sentido de propor a introdução de um terceiro termo para compor juntamente com a assimilação e a acomodação. Pretende, com essa contribuição, enriquecer e/ou ampliar a compreensão das modalidades de aprendizagem.
Em sua obra mais recente, Fernández3 entende que participam das modalidades de aprendizagem, "...uma série de aspectos (conscientes, inconscientes e pré-conscientes), da ordem da significação, da lógica, da simbólica e da estética".
Ao englobar as teses de um pensamento estético, a autora propõe um avanço na compreensão das modalidades de aprendizagem que, a partir da década de 90, introduz na teoria psicopedagógica clínica à dimensão estética do pensamento Pain3 como mais uma das estruturas que compõem a aprendizagem, juntamente às estruturas lógico/objetivas e simbólicas. Todavia, no momento de descrever as modalidades de aprendizagem de um sujeito, a autora enfatiza os aspectos já apresentados por Paín4; da modalidade do processo assimilativo-acomodativo, acrescenta os aspectos referentes às significações, mas não introduz os aspectos relativos à elaboração estética do pensamento. Ou seja, já há uma ampliação com relação ao conceito de modalidade do processo assimilativo-acomodativo, o qual dirige-se para a elaboração lógica do pensamento, porém a consideração ao estético, embora mencionado na definição geral, não participa, de forma mais operacional, do conceito de modalidades de aprendizagem. O estético diz respeito ao corpo não apenas em sua dimensão de corpo marcado pelo outro, mas um corpo-subjetividade à medida em que este vai sendo afetado por novos universos5. Trata-se de um corpo vibrátil5 ou de um corpo como lugar de ressonância estética4; este não mais sede somente das representações, como na estrutura simbólica, mas corpo-receptáculo, cuja mera presença frente ao espetáculo da vida, provoca afecções cujos efeitos são indeterminados. Trata-se, portanto, de uma dimensão pré-lógica e pré-simbólica do pensamento, prévia à estrutura das significações.
Como incluir essa noção de corpo estético compreendendo-o como participante da formação das modalidades de aprendizagem? Esse é o desafio a que se propõe esse artigo.
A primeira parte deste trabalho apresentará o conceito de modalidade do processo assimilativo-acomodativo, elaborado por Paín1 e, posteriormente ressignificado por Fernández3 e sua contribuição no sentido de permitir um novo olhar sobre quem ensina e quem aprende. Por sua vez, será mostrado que a referência ao elemento "corpo", como um dos quatro elementos que compõem a aprendizagem, ainda se relaciona mais fortemente ao corpo constituído e simbolizado no vínculo com o outro, um corpo que dará origem a um ego inicial, corporal, sede das ressonâncias afetivas e primeira fonte de contato com a realidade. Precisaremos introduzir a idéia de um corpo estético para dar lugar, na construção da modalidade de aprendizagem, à dimensão sensível do humano, pré-lógica e pré-simbólica, mas da qual evolui toda capacidade criativa que condensa a história da cultura e o devir da inventividade inerente a toda aprendizagem.

DA MODALIDADE DO PROCESSO ASSIMILATIVO-ACOMODATIVO À MODALIDADE DE APRENDIZAGEM
Em uma de suas últimas obras, Fernández3 constata: " Os alunos e os leitores ensinam-nos muitíssimo. Às vezes, permitem que o professor e o autor dêem prioridade a algum aspecto de suas idéias e revalorizem sua importância. Isso ocorreu comigo com o conceito de ´modalidade de aprendizagem´, que venho trabalhando desde A Inteligência Apriosionada".
Reconhecendo sua importância, Fernández3 define a modalidade de aprendizagem como "um molde, ou esquema de operar que vai sendo utilizado nas diferentes situações de aprendizagem. É a forma como cada sujeito desvela o oculto, com o objeto a conhecer.
Em cada um de nós, podemos observar uma particular ´modalidade de aprendizagem´, quer dizer, uma maneira pessoal para acercar-se ao objeto de conhecimento e para conformar seu saber. Tal modalidade se constrói desde o nascimento e, através dela, nos enfrentamos com a angústia inerente ao conhecer-desconhecer" 2.
Trata-se, portanto, de uma tensão entre o que se impõe como repetição/permanência de um modo anterior de relacionar-se e o que precisa mudar nesse modo de relacionar-se com o objeto de conhecimento, consigo mesmo como autor e com o outro ensinante.
Quando fala em molde relacional, a autora refere-se a uma forma que cada sujeito utiliza para aprender, a qual inclui um conjunto de aspectos: da ordem da significação, da lógica, da simbólica, da corporeidade e da estética. De maneira geral, seguindo os mecanismos que regem o operar intelectual, descritos por Piaget, devemos pensar que assimilação e acomodação devem estar equilibrados para que essa tensão entre o conhecido e o novo produzam uma aprendizagem saudável. Porém, esses mecanismos respondem pelo acionar da inteligência e não são suficientes para compreender a experiência corporal e estética da aprendizagem. A assimilação, para Piaget6 é o processo de integração cujo esquema é o resultante. É o movimento do processo de adaptação pelo qual os elementos do ambiente se alteram para serem incorporados na estrutura do organismo. Mas um esquema de assimilação é incessantemente submetido às pressões das circunstâncias e pode se diferenciar em função dos objetos aos quais é aplicado. A acomodação é o movimento do processo de adaptação pelo qual o organismo se altera, de acordo com as características do objeto assimilado. Piaget observa que, apesar das variações entre os movimentos de assimilação e acomodação, há uma tendência geral a uma invariância, em qualquer processo de adaptação do ser vivo. Essas invariâncias proporcionam o vínculo fundamental entre a biologia e a inteligência.
Paín1 intitula de "modalidade do processo assimilativo-acomodativo" ao processo de adaptação que, conforme Piaget, cumpre-se graças ao duplo movimento complementar de assimilação e acomodação. A investigação sobre esse processo permitirá concluir sobre as oportunidades que o sujeito teve para fazer uma adaptação inteligente. Por sua vez, a inibição precoce de atividades assimilativo-acomodativas dá lugar a modalidades nos processos representativos, cujos extremos podem ser caracterizados conforme o Quadro 1.
Ao trabalhar com modalidade de aprendizagem, Fernández2,3 considera a importância de se estudar a modalidade do processo assimilativo-acomodativo, tal como propõe Paín. Entretanto, embora utilizando-se da mesma nomenclatura sobre as modalidades hiper e hipo acomodativas/assimilativas, Fernández realiza um contraponto com as definições originais, para incluir os aspectos concernentes à subjetividade.
Já não estamos mais puramente no campo da análise da modalidade do processo assimilativo-acomodativo, mas mais próximos a uma compreensão de aprendizagem, que engloba a trama organismo-inteligência-corpo-desejo. É uma trama que embora se expresse em um sujeito particular, é necessariamente constituída e construída no vínculo com o outro. Para tanto, operam junto ao mecanismo da assimilação, as emoções, os desejos, os sonhos, ilusões e frustrações, as angústias, as alegrias e sofrimentos do corpo. A presença dos fatores intersubjetivos permite pensar que a modalidade de aprendizagem de cada sujeito estará mais ou menos favorecida de acordo com:

  • "o grau de permissão que tenha sido dado ao sujeito em sua infância (e que lhe seja dado no presente) para questionar sem sentir que o questionado sofre ou faça sofrer e para diferenciar-se sem perder o amor;

  • as experiências prazerosas e dolorosas que seus pais tenham-lhe permitido em relação ao responder perguntas difíceis, eleger coisas diferentes dos outros, opinar diferente;

  • as experiências prazerosas ou dolorosas que seus professores tenham-lhe permitido e oferecido com relação a facilitar ou culpabilizar a pergunta, as escolhas e a diferença;

  • as experiências lúdicas facilitadoras e impeditivas ou sancionadas3".

Estes aspectos dizem respeito aos movimentos de assimilação-significação. Ainda temos os movimentos de acomodação-significação que dizem respeito às diferentes identificações do sujeito, com as aberturas ou fechamentos a espaços confiáveis ou persecutórios para o desenvolvimento das aprendizagens.
Acompanhando as definições das duas autoras, temos a síntese apresentada no Quadro 1.
A participação do corpo na aprendizagem e, por consequência, a participação do corpo na construção da modalidade de aprendizagem dá-se por meio da novela vincular. O corpo constituído por essa dramática humana, sede de um organismo que forma sua infra-estrutura neuro-fisiológica, sede de uma capacidade para transformar os esquemas reflexos em esquemas de ação, construtores da estrutura lógica é, também, sede de intercâmbios humanizadores, constitutivos da estrutura simbólica.
A dimensão corporal comparece como o lugar onde as aprendizagens são registradas. Esse registro vai se entretecendo no vínculo necessariamente assimétrico entre aquele que deseja que o outro aprenda e o ser aprendente, em cuja formação inicial vão se inscrevendo os desejos de autoria e de autonomia. Curioso paradoxo da existência e da formação das modalidades de aprendizagem, pois o desejo saudável com relação ao aprender é justamente aquele que se constitui num vínculo humano necessariamente fusional, mas com vistas a logo transformar-se num campo de diferenças e individuações.
Entretanto, a participação do corpo não se esgota nestas duas dimensões - a lógica e a simbólica. Esse corpo é simultaneamente um lugar de ressonância estética, para o qual o mundo torna-se presente. Não poderíamos sequer afirmar que a novela vincular precederia a capacidade humana para o assombro, a beleza e a ressonância estética do mundo. Meltzer7 assim descreve o enigma do nascimento (e não, como se pretendeu até então, o trauma do nascimento): "A devotada mãe comum apresenta ao seu lindo bebê comum um objeto complexo de enorme interesse, tanto sensorial como infra-sensorial. Sua beleza externa, concentrada, como deve ser, nos seios e na face, complicada em cada caso pelos mamilos e pelos olhos, bombardeia o bebê com uma experiência emocional de qualidade passional, resultando em que o bebê seja capaz de ver estes objetos como ´lindos´. Mas permanecem desconhecidos para o bebê o significado do comportamento de sua mãe, do aparecimento e do desaparecimento do seio e da luz de seus olhos, de uma face na qual as emoções passam como sombras de nuvens sobre a paisagem. Afinal de contas, o bebê veio para uma terra estranha onde desconhece a linguagem e também as indicações e comunicações não verbais costumeiras. A mãe lhe é enigmática; ela exibe um sorriso de Gioconda a maior parte do tempo, e a música de sua voz fica constantemente mudando de tom maior para o menor. Como ´K´(o de Kafka), o bebê precisa esperar por definições advindas do ´castelo´- o mundo interno de sua mãe. (...)Isto é o conflito estético, que pode ser enunciado de modo mais preciso em termos do impacto estético do exterior da ´linda´ mãe, disponível aos sentidos, e do enigmático interior que precisa ser construído por meio da imaginação criativa. Tudo na arte e na literatura, e toda e qualquer análise testemunha sua perseverança através da vida".
Não resta dúvida que este roteiro estético desenvolvido por Meltzer, no campo psicanalítico, traz para um primeiro plano da fundação do sujeito, a capacidade de apreciar as qualidades do objeto, de suportar e perseguir seu mistério, para sempre perdido no interior outrora habitado na mãe, mas que pode ser construído a partir de evidências de suas qualidades mentais. O autor não menciona, em primeiro lugar, um encontro com a mãe, apenas por meio do toque acariciante ou do olhar humanizador da mesma, mas ressalva neste encontro o complicado bombardeio de luzes e sombras, com o aparecimento e desaparecimento dos mamilos e do brilho dos olhos da mãe. Já está presente, desde o início, quase como um pré-requisito para a existência, o mistério que é para o bebê decifrar esse mundo de ressonâncias afetivas, de sons, cores, ritmos e harmonias que desfilam diante de seus olhos recém chegados ao mundo.
Para Paín4; qualquer teoria sobre a transmissão do conhecimento ficaria incompleta sem a consideração à elaboração estética do pensamento. Para Deleuze8; o momento estético é o detonador, por excelência da cognição, e não o seu contrário. A cognição emergeria como um momento segundo, para deixar de ser só mistério e ser reabsorvido numa lógica capaz de contê-lo e explicá-lo. O momento estético é gratuito, fortuito, está sempre em excesso, sempre além do que se pede.
"Tomar a rosa como sub-classe das flores ou como símbolo do efêmero suprime o encanto de sua aparência. O momento estético é o da aparição, em forma de rosa, de algo da ordem da perfeição. É uma captação em êxtase, quer dizer, na passividade da descentração de si mesmo. Momentos obrigatoriamente de excesso e de exceção, imprescindíveis à paixão de pensar e que o pensamento mesmo anula, evitando a psicose"4.
O momento estético não responde a nenhum desejo, pois a surpresa vem do que não estava desejado, é algo que vem da abertura. Ele pode ser muito frequente, mas não pode durar muito mais do que um par de instantes, porque por uma parte, carece de ancoragens empíricas para manter-se, já que não se pode descrever, nem imaginar e, por outra parte, para dar-se conta que, em verdade, houve tal momento, há que se tomar distância, recordá-lo e, então, descrevê-lo e imaginá-lo, saber que foi correto, da mesma maneira como se faz com os sonhos, que sabemos que existem, porque deles despertamos.
Para acercar essa noção de um corpo estético que instaura com seu presente, a presença das coisas no mundo, necessitamos introduzir um momento de recepção, anterior mesmo ao mecanismo da assimilação. Dessa forma, a aprendizagem se daria em dois momentos quase simultâneos - o da recepção e o da assimilação/acomodação. Por conseguinte, o conceito de modalidade de aprendizagem não poderia apenas se definir pelos mecanismos de assimilação e acomodação, tingidos pelos esquemas lógicos e de significações, mas, também, deveria contemplar a receptividade estética. Esta última, por sua vez, só pode expressar-se por meio de seus efeitos. E quais são os efeitos, como se expressam no processo de aprendizagem?
Para podermos excursionar pela dimensão estética do pensamento, é preciso que revisemos nossa compreensão sobre a aprendizagem. Conforme explica Kastrup9; as teorias psicológicas da aprendizagem se constituíram com base no discurso da ciência e buscaram as condições invariantes da cognição, sob a forma de leis científicas, demarcando o que o campo possui da ordem da necessidade e da repetição. Sob este vértice, a aprendizagem é compreendida em sua vertente recognitiva e direcionada à solução de problemas. As experiências de recognição relacionam-se ao reconhecimento prático ou consciente de um objeto. Caracterizam-se por sua utilidade na vida prática e por assegurar nossa adaptação ao mundo. Essas aprendizagens ocorrem quando as sensações ativam um traço mnêmico e ocorre uma síntese, que é fonte da atividade de reconhecimento, que torna o presente, o passado e o novo, como formas identitárias e que tem o papel de assegurar a unidade da cognição10.
Existe um outro nível, este menos estudado, onde a aprendizagem começa justamente ali onde não reconhecemos, mas ao contrário, estranhamos, problematizamos. Neste caso, as experiências de problematização provocam uma divergência entre as faculdades de sensibilidade, memória e imaginação. Falamos de uma aprendizagem inventiva, para a qual, em primeiro plano, está a posta do problema e, não, a solução de problemas. Compreender a aprendizagem como recognição é trabalhar pela solução de problemas, ao passo que a aprendizagem inventiva é aquela que acontece, antes de tudo, na problematização, mergulhando no mundo sígnico da matéria, empreendendo-se numa errância.
Poderíamos deduzir que os mecanismos de assimilação e acomodação responderiam pelo nível recognitivo da aprendizagem. Isto por que é por meio da descrição destes mecanismos invariantes que se explica o progresso do conhecimento, partindo de estruturas elementares e se integrando em estruturas cada vez mais complexas. Porém, se compreendemos os processos cognitivos não apenas a partir de leis gerais e necessárias, que conduzem à solução de problemas, mas como uma invenção de problemas, nos aproximamos a uma vertente mais experencial, para além dos quadros de referência da experimentação científica que foram traçados pela inteligência. Segundo Deleuze8; quando a inteligência intervém na busca de sentido, de solução de problemas, é sempre num momento segundo, depois da ação deste contato imediato com o que Bérgson11 chama de "emoção criadora", mas cuja compreensão aproxima-se do momento ou do impacto estético4,7. Para Bérgson11; a emoção criadora diz respeito a um contato imediato com algo que é exterior ao sujeito e lhe provoca um abalo afetivo, uma agitação que é criadora na medida em que exige representações.
Qual o lugar, no conceito de modalidade de aprendizagem a esse aspecto receptivo, imediato, de corpo-presença frente ao espetáculo do mundo e que força a cognição? Pensamos que se torna necessário introduzir o elemento "recepção", aos mecanismos assimilação e acomodação, para compor uma visão mais ampla da modalidade de aprendizagem. Conforme explica Deleuze12; "pensar, é pensar por conceitos, ou então por funções, ou ainda por sensações, e um desses pensamentos não é melhor que o outro, ou mais plenamente, ou mais sinteticamente, ou mais completamente ´pensado´". Aquele que é capaz de manter uma atitude estética receptiva, pensa por sensações, é mais sensível aos signos emitidos pela matéria e se vê constrangido a decifrar seu mistério - um mistério inerente a todo conhecimento.
Numa situação pedagógica ou psicopedagógica, em que importa tanto a observação das modalidades de aprendizagem, não daremos passagem apenas aos esquemas de significação/assimilação/acomodação, construtores de um corpo subjetivado, mas deremos passagem ao corpo-afecção. Este último, não apenas visto como instrumento de apropriação de conhecimento, corpo-registro de experiência, corpo-recordação, síntese de ser e de saber, porém: "Nossa questão agora é como pensar o corpo em sua dimensão estética. Trata-se, aqui, do corpo como vivendo e não como esquema morfológico; do corpo que instaura com seu presente, a presença das coisas no mundo. É o corpo aqui e agora que capta o espetáculo desde um ponto de vista" 4.
Há duas maneiras de instaurar as coisas no mundo: a primeira, é por meio da recognição. ''Isto é uma árvore", "chove", etc., dimensão necessária para a aprendizagem, todavia, não suficiente. A outra maneira é através da problematização. Esta se manifesta nos momentos em que a ignorância se orienta para uma manifestação enigmática, em que não fugimos dela de forma ascética e pragmática, resolvendo de vez o mistério que ela nos apresenta, mas contemos uma emoção criadora vivida no corpo e que nos impele a colocar problemas ao conhecimento

UMA DEFINIÇÃO AMPLIADA DAS MODALIDADES DE APRENDIZAGEM
Compreender a aprendizagem na sua dimensão problematizadora/inventiva coloca-nos numa via divergente à recognição, para a qual os mecanismos de assimilação e acomodação respondem como principais invariantes. Inti-tularemos de capacidade receptiva a esta capacidade de abertura, a sensibilidade, o composto de forças que afetam ao sujeito. Quanto mais assimilativo (hiper-assimilação), maior a força das sensações e o sujeito fica sem dar vazão à recepção e sem saída cognitiva ou simbólica para o mundo de sensações que o invade: o mundo se torna pura aparência, um ritmo estéril e psicótico4. Quanto menos assimilativo (hipo-assimilação), menor a capacidade de recepção e menor a capacidade de liberar a atitude estética, ficando o sujeito paralisado no pragmatismo e no desencanto precoce.
Quanto à acomodação, na medida em que este mecanismo responde pela internalização de imagens, podemos pensar que, se a hiperacomodação está relacionada a uma superestimulação da imitação e, se a hipoacomodação provavelmente aparece quando não se respeitou o tempo da criança, os problemas na capacidade receptiva respondem a uma intrusividade do objeto sobre o sujeito. Acompanhando a hipótese de Meltzer:" A formulação do conflito estético como sendo um problema interior-exterior, um conflito entre aquilo que podia ser percebido e aquilo que só podia ser interpretado conduziu diretamente ao problema da violência enquanto violação: violação da privacidade dos espaços internos e de suas representações. A força integradora dessa visão da violência fez-se sentir através de toda a gama de violações físicas e mentais, do indivíduo contra o indivíduo, do grupo contra o indivíduo e do grupo contra o grupo"7.
Nesta descrição, o autor intitula de violência a toda condição que, dado seu caráter de intrusividade, tira a essência do impacto da beleza do mundo e da intimidade apaixonada com outro ser humano, além de diferenciar o mistério do segredo. O mistério está associado ao impulso em direção ao conhecimento, forjando conjeturas imaginativas à espera de uma revelação. Implica um reconhecimento da privacidade do objeto e promove a capacidade de tolerar o desconhecido sem apressar interpretações prematuras de sentido e motivações. Implica a capacidade de tolerar a beleza do mundo, da qual a mãe é a representante inicial, apesar dos aspectos desconhecidos, incompreensíveis e aterrorizantes envolvidos13. Já, o segredo consiste em curiosidade intrusiva, produto da violação dos espaços internos. A curiosidade transforma-se em desejo de conhecer/invadir o espaço do outro. Conforme prevalecer o mistério ou o segredo, teremos um divisor de águas entre os aspectos criativos e destrutivos do conhecimento.
Para que o sujeito possa acomodar o material assimilado, seu espaço psíquico deve estar o mais aberto possível ao mistério, pois este não impõe de fora para dentro e, sim, pressiona, permite que o interior busque decifrar a mensagem enigmática.
Podemos dizer, portanto, que associada à assimilação, a capacidade receptiva diz respeito às possibilidades de "segurar em tensão" os mistérios transmitidos pelo objeto, o que pressupõe o desenvolvimento da capacidade problematizadora e inventiva - possibilidade de colocar problemas - no campo da aprendizagem. Associada à acomodação, a capacidade receptiva diz respeito a um espírito capaz de tolerar a tensão entre o decifrável e o resto indecifrável inerente a todo conhecimento.

CONCLUSÃO
Acompanhando os mecanismos assimilativo/acomodativo que têm definido as modalidades de aprendizagem, sugerimos a introdução do triângulo recepção/ assimilação/acomodação, sendo a recepção, uma atitude corporal "suficientemente em tensão como para emocionar-se e suficientemente distraída como para deixar-se surpreender"4. A recepção saudável expressa-se, assim, por meio de um corpo presente, capaz de ser afetado e de sustentar uma atitude inventiva - de colocação de problemas - antes de esquivar-se por uma saída imediata à busca de soluções.
Ao invés de falarmos em hipo ou hiper assimilação, poderíamos conceber as modalidades de aprendizagem expressas em hipo ou hiper recepção-assimilação-acomodação. De forma geral, teríamos as definições no Quadro 2.
A ênfase na capacidade receptiva, como um corolário da elaboração estética do pensamento e na construção da modalidade de aprendizagem, pode ser uma ferramenta útil no desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem. Na medida em que a educação, em geral, está mais voltada aos processos recognitivos e de solução de problemas, o acolhimento ao pensamento divergente parece não encontrar muitos espaços para a composição de modalidades de ensino e aprendizagem mais inventivas. Na medida em que o conhecimento é concebido teleologicamente, visando ao cumprimento de leis gerais, qualquer manifestação que ultrapasse esses limites, colocando-lhe problemas, tende a ser recusada14.
Ao conceber as modalidades receptivas como componentes das modalidades de aprendizagem, não estamos pretendendo nenhum avanço com relação aos desenvolvimentos já realizados pela teoria psicopedagógica, mas ao contrário, reivindicando um recuo aos aspectos do aprender que precisam ser reiteradamente enfatizados: os de que o aprender não se restringe a dominar as ferramentas do método científico, mas pressupõe viver e desenvolver as qualidades sensíveis inerentes a todo o conhecimento, mais próximas a fruição de uma obra de arte do que do distante escrutínio de seus componentes.

REFERÊNCIAS
1. Paín S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre:Artes Médicas;1985.
2. Fernández A. La inteligencia aprisionada. Buenos Aires:Nueva Visión;1987.
3. Fernández A. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre:Artmed;2001.
4. Paín S. La estructura estética del pensamiento. In: Revista Epsiba. 1998;8.
5. Rolnik S. "Fale com ele" ou como tratar o corpo vibrátil em coma. In: Fonseca T, Engelman S, org. Corpo, arte e clínica. Porto Alegre:Ed. UFRGS;2004.
6. Piaget J. Problemas de epistemologia genética. Rio de Janeiro:Forense;1973.
7. Meltzer D, Williams MR. A apreensão do belo. Rio de Janeiro:Imago;1995.
8. Deleuze G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro:Graal;1988.
9. Kastrup V. A invenção de si e do mundo. São Paulo:Papirus;1999.
10. Kastrup V. Aprendizagem, arte e invenção. In: Lins D, org. Nietzche e Deleuze: pensamento nômade. Rio de Janeiro:Relume Dumará;2001.
11. Bérgson H. Memória e matéria. São Paulo:Martins Fontes;1990.
12. Deleuze G, Guattari F. O que é filosofia? Rio de Janeiro:Ed. 34;1995.
13. Nemas C. O conflito estético na área dos valores. In: Revista de Psicanálise. 2004;XI(3).
14. Sordi RO. A comunicação professor-aluno: uma contribuição ao estudo sobre a construção do conhecimento [Tese de doutorado].Porto Alegre:FACED,UFRGS;1999.


Correspondência: Regina Orgler Sordi
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E-mail: sordi.vov@terra.com.br

Artigo recebido: 12/6/2009
Aprovado: 2/8/2009



Trabalho realizado no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

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modalidades de aprendizagem

Objetividade e Subjetividade: uma via de mão dupla.


Cláudio Pires Cardoso

A aprendizagem ocorre na relação entre a objetividade ( a realidade, o conhecimento, a lógica, o espaço, o tempo, o intelecto) e a subjetividade ( o simbólico, o desejo, as representações, os afetos). Nos processos de ensino/aprendizagem, o simbólico se transmite ao mesmo tempo que o conhecimento dito "científico", ou seja, a transmissão do conhecimento é também a transmissão de nossas formas de ser e de crer. É importante assinalar que os processos de ensino/aprendizagem são indissociáveis porque internalizamos modelos de aprender em reciprocidade aos modelos de ensino com os quais interagimos durante a vida nos grupos aos quais pertencemos. (Beatriz Scoz)

Segundo o texto do módulo IV, 1ª lição, “...a psicopedagogia vê a aprendizagem como interface entre inteligência e desejo, razão e emoção, objetividade e subjetividade, a estratégia que for seguida deverá sempre alternar ambos os campos privilegiando aquele que mais necessita ser trabalhado em cada caso particular.” Dentro desta perspectiva, o terapeuta da aprendizagem precisará estar atento às características manifestadas pelo sujeito aprendente para poder elencar as atividades interventivas que contribuirão para a superação da dificuldade observada.
Verificando as hipóteses da modalidade de aprendizagem formadas pelo indivíduo, é possível delimitar o campo de propostas interventivas a ser aplicadas. Acompanhando o quadro abaixo podemos melhor compreender o binômio objetividade/subjetividade e suas implicações quando estas não estiverem equilibradas de modo a proporcionar ao sujeito a aprendizagem adequada.

HIPOACOMODAÇÃO

Consiste em adaptar-se para que ocorra a internalização. A sintomatização da acomodação poder resultar numa dificuldade de internalizar os objetos.

HIPERACOMODAÇÃO

Consiste em abrir-se para a internalização, o exagero disto pode levar a uma pobreza de contato com a subjetividade.

HIPOASSIMILAÇÃO

Sua sintomatização resulta na pobreza no contato com o objeto, não assimilando-o, mas apenas acomodando-o.

HIPERASSIMILAÇÃO

Consiste no predomínio dos aspectos subjetivos sobre os objetivos
Considerando que a objetividade (a realidade, o conhecimento, a lógica, o espaço, o tempo, o intelecto) e a subjetividade (o simbólico, o desejo, as representações, os afetos) são indissociáveis e deflagram nossos modos de ser e de fazer, o desequilíbrio comprometem as estruturas da aprendizagem acarretando a patologia.
Na Hipoassililação, por exemplo, sua sintomatização se traduz pela pobreza de contato com o objeto que resulta em esquemas pobres e uma dificuldade de lidar com o lúdico e a criatividade. Seria como se a energia transformativa deixasse de influenciar as estruturas cognitivas.
Se a condição do indivíduo for hiperassimilativa/hipo-acomodativa, percebemos que a criança não aprende em virtude de um mecanismo altamente subjetivo. Neste caso, a estratégia interventiva deve privilegiar atividades objetivas, que conectem com o real.
Para melhor ilustrar esta questão apresento um breve relato de um caso.

Caso N.

N. tem 5 anos, freqüenta o 3º período da Educação Infantil de uma escola municipal. Seus pais são presentes no que tange ao acompanhamento e participação escolar. N. possui vínculo positivo com os pais e com a irmã de 11 anos, matriculada na mesma escola e no mesmo turno. Ela o ajuda em casa com suas tarefas escolares e demonstra afeto por e ele.
N. é uma criança pouco sociável e se comunica somente quando requisitado. Nos momentos da rodinha de conversa, geralmente aparenta estar desconectado e às vezes encontra-se fantasiando sobre as questões discutidas. A professora, percebendo as características de N. solicitou a ajuda do Orientador da escola que ao conversar com o aluno identificou indícios de hiperassimilativos. É fato que a criança nesta faixa etária simboliza sua realidade, entretanto, N. parece viver em um “conto de fadas”.
Segue transcrição de trecho de uma conversa com N.
  • Qual é o seu nome?
  • Eu sou um dragão voador.
  • Você gosta de voar?
  • Não posso conversar agora.
  • Por quê?
  • Meu cérebro ainda está dormindo.
Em uma entrevista com a mãe do menino, foi revelado que o pai estimula demasiadamente as fantasias do filho e que acha “uma gracinha” vê-lo viajando no mundo da imaginação. Ela não está de acordo com essa postura do marido e questiona isso temendo que N. possa apresentar distorções em sua identidade, adquirir problemas na aprendizagem e manifestar dificuldade para distinguir entre o real e o simbólico.
A partir do relato acima podemos perceber que N. vive um conflito entre a subjetividade e a objetividade, visto que recebeu estímulos que supervalorizassem sua imaginação. Por isso, grande parte do tempo, o aluno pensa estar situado em um universo paralelo à realidade. Cabe neste caso, realizar atividades que ofereçam maior contato com a lógica, com o pensamento reflexivo, com a realidade.
Evidentemente, o terapeuta da aprendizagem programará uma intervenção pautada no resgate da objetividade de N., sem, claro, prejudicar sua capacidade de simbolismo, pois para a criança é preciso desenvolver de maneira saudável o equilíbrio entre estas duas vertentes do pensamento.
Podemos concluir, segundo o relato acima que a objetividade não prescinde a subjetividade. Ambas devem atuar de forma harmônica. E, identificando os elementos causadores de conflito é possível remover as barreiras que circunstancialmente estão causando dificuldade na apreensão da realidade e na interação com o meio de modo a assimilar os conhecimentos a ele pertinentes.
Portanto, Cabe ao psicopedagogo transitar entre estes aspectos subjacentes à aprendizagem – objetividade/subjetividade – para proporcionar ao paciente um espaço de reflexão sobre si, sobre o vínculo formado com a aprendizagem, sobre a forma como a família concebe e favorece o conhecimento e sobre a modalidade de aprendizagem exercida pelo sujeito. Atuando de maneira sistemática, investigativa e assistiva é possível penetrar no mundo patológico que aprisionou a aprendizagem e apontar para as chaves que irão libertar o saber.

Bibliografia

AMARAL, Silvia. Psicopedagogia, um portal para a inserção social. Ed. Vozes. Petrópolis, 2003.
CHAMAT, Leila Sara José Chamat. Relações Vinculares e aprendizagem: um enfoque psicopedagógico. Vetor. São Paulo, 1997.
FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. ArtMed. Porto Alegre,1991.
__ Os idiomas do aprendente.ArtMed. Porto Alegre,2001.
__ O saber em jogo.ArtMed. Porto Alegre, 2001.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. ArtMed. Porto Alegre, 1992.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget.Livraria Pioneira Editora. São Paulo, 1992.
WAGNER, Adriana. Família em cena. Ed. Vozes. Petrópolis, 2002
WEISS. Maria Lúcia L.Psicopedagogia Clínica. DP&A Editora. Rio de Janeiro, 2000.

Webliografia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizagem
http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entrevista.asp?entrID=31



Cláudio Pires Cardoso – Pedagogo – Orientador Educacional. Psicopedagogo Clínico Institucional. Formando em Atendimento Educacional Especializado pelo MEC. Prestador de serviços em Assessoria Pedagógica, Psicopedagógica e Motivação Humana. Contador de Histórias pelo PROLER.

Creative Commons License Selo Acessibilidade Brasil nível AAA

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

QUESTÃO ORTOGRÁFICA


A (In) Apropriação do Sistema Ortográfico: Um Inimigo Inexorável

Idalena Oliveira Chaves
Carlos Roberto Porto 1



RESUMO
A educação brasileira passou por grandes transformações nas últimas décadas e tem
alcançado resultados surpreendentes. Não obstante, uma situação inusitada tem se destacado
devido aos altos índices de abrangência e ineficiência no cenário escolar do país: a
incapacidade de se escrever conforme as regras ortográficas. A cada dia que passa, domina-se
menos a ortografia. Boa parte dos alunos, sobretudo do ensino público, tem concluído o
Ensino Fundamental sem assimilar o sistema ortográfico. Neste trabalho foram feitas análises
dos erros de ortografia, cometidos por alunos do 1º ano do Ensino Médio, que já deveriam ter
sido sanados nas séries iniciais, mas que perduram apesar dos muitos anos de escolarização.
ABSTRACT
Education in Brazil has been through many changes in the last decades and outstanding
results have been achieved. However, an unusual situation has arisen due to a high level of
inefficiency in the educational scenario in the country: the inability to write according to
spelling rules. Spelling rules have been less observed each day. A considerable number of
students, specially from public schools, have concluded secondary school without mastering
the orthographic system. The aim of this paper is to present analysis of spelling mistakes
made by students from the first year of high school. Such mistakes should have been fixed in
the first school years. Yet, they persist in spite of all the years of education.
Palavras-chave: aquisição e desenvolvimento da escrita; ortografia; gramática.
Key-words: acquisition and improvement of writing, speeling and grammar.
Introdução
O objetivo deste trabalho foi o de verificar o domínio das regras ortográficas por parte
dos alunos do 1° ano do Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual de ensino do
Estado de Minas Gerais; bem como mapear os possíveis erros cometidos por estes, a fim de
diagnosticar e propor, se possível, soluções para os problemas apresentados.
1 Idalena Oliveira Chaves – doutoranda em Linguística- Professora do UniBH
Carlos Roberto Porto –Ex-aluno do Curso de Pós-graduação em leitura e produção de textos do UNBH
O artigo está dividido em duas partes: na primeira, apresenta-se o cenário do estudo da
ortografia e os problemas a ela relacionados com alunos em fase inicial de alfabetização e, na
segunda parte, analisam-se e apresentam-se os principais resultados da pesquisa.
O Senso Comum e a Língua Pátria
Faz parte do senso comum a afirmação de que a Língua Portuguesa é uma língua
difícil. Mais do que isso: a Língua Portuguesa é a mais difícil do mundo. Impressões à parte,
sabemos que essa afirmação não se sustenta, mas não há como negar as dificuldades de nossa
língua materna.
Talvez, dentre tantas dificuldades, a ortografia seja um dos maiores desafios do nosso
idioma. Grafar corretamente as palavras conforme a norma padrão é um problema para os
falantes em geral, sobretudo para aqueles que não têm a prática da escrita no seu dia-a-dia, de
modo que não é raro surgirem dúvidas quando há necessidade de se escrever algum texto.
Muitas vezes, para escrever corretamente uma palavra pouco usual, há que se fazer um
esforço de memória, usar analogias ou aplicar alguma regra, a fim de conseguir correção
segundo a gramática padrão da língua. Não obstante, espera-se que anos e anos de estudo nos
permitam o domínio da ortografia, a ponto de essa não se tornar um obstáculo para os que se
ingressam na universidade ou precisem da escrita como um instrumento de trabalho.
O Domínio das Regras Ortográficas
Concluído o Ensino Fundamental, espera-se dos alunos do Ensino Médio o domínio da
norma padrão no que diz respeito à ortografia da Língua Portuguesa, mesmo sabendo que o
nosso sistema ortográfico causa insegurança até nos falantes com maior proficiência.
Prova disso são os estudos acadêmicos sobre ortografia da Língua Portuguesa, como o
de Morais (2000) que apresenta um estudo realizado em escolas municipais de Recife, onde
acompanhou o desempenho de alunos das séries iniciais e a performance de professores na
condução do trabalho de ortografia. Seu trabalho, bastante didático, mostra o lado de quem
aprende e o lado de quem ensina este objeto tão complexo, que é grafar corretamente as
palavras de uma língua.
Muitos são os que dedicam esforços sobre o tema em dissertações e teses em nosso
país, como os trabalhos publicados em Morais (2005) e a dissertação de Guimarães (2005).
Neste a autora descreve e analisa dados de aquisição da ortografia em algumas escolas de
Pelotas, no Rio grande do Sul, realizando um estudo a partir dos textos produzidos, de forma
espontânea, por crianças das séries iniciais. Baseando-se em dados da sua pesquisa e de outras
já realizadas sobre este assunto, as quais fazem parte das referências arroladas na dissertação,
ela demonstra que os erros presentes nos textos derivam tanto das relações que as crianças
estabelecem entre o conhecimento fonético-fonológico e o sistema gráfico, quanto daqueles
relacionados à estrutura do sistema ortográfico.
Contudo, embora existam excelentes trabalhos sobre a aquisição e desenvolvimento
da escrita, esses se restringem à fase inicial da alfabetização, quando a criança se inicia no
mundo do saber acadêmico e ainda não tem experiência de escrita nem prática escolar.
Infelizmente, não se dá atenção especial aos alunos que estão na fase final de escolarização,
que, a essa altura, já deveriam dominar, pelo menos, o que é regular no sistema ortográfico da
língua.
Nessa fase final da alfabetização, os problemas de ortografia são vistos como exceções
e/ou problemas localizados que necessitam de uma ação diferenciada, conforme a dificuldade
apresentada pelo aluno ou pela turma em questão.
Zorzi (1998 : 85 e 86) afirma que:
(...) a primeira constatação que podemos fazer diz respeito a uma tendência observada em
todos os tipos de erros. Sem exceção, existe uma nítida diminuição do número de erros, de
série para série. (...) Esta diminuição no número de erros que se observa da primeira até a
quarta série (...) parece indicar que, progressivamente, as crianças foram apropriando do
sistema de escrita; mais especificamente, conseguiram, aos poucos, ir compreendendo
aspectos fundamentais que caracterizam a natureza alfabética da escrita.
Isso fortalece a tese de que os alunos do Ensino Médio, pela experiência escolar, já
deveriam ter se apropriado do sistema ortográfico. Portanto, ao depararmos com problemas
relacionados à escrita, percebemos que há algo de errado no ensino. Lamentavelmente,
entendemos que em algum momento do processo educacional houve falhas e o objetivo
inicial não foi completamente alcançado; o que nos leva a repensar a nossa prática
pedagógica, a descobrir qual (quais) etapa (s) do processo precisa ser revista e a buscar
soluções práticas para sanar o problema.
Mas é preciso lembrar que não é no Ensino Médio que as medidas devem ser tomadas.
Faz-se necessário solucionar o problema preferencialmente nas séries iniciais ou, quando
muito, nas séries finais do Ensino Fundamental.
Um Encontro Inesperado
Diferentemente do que era de se esperar, quando lemos redações de alunos de ensino
médio nos deparamos com diversos problemas ortográficos, típicos de alunos em fase inicial
de alfabetização. Isso não só contraria as nossas expectativas como também chama-nos a
atenção para um fenômeno indicador de problemas na educação básica de nosso país.
Esse problema vem contribuir para o triste cenário brasileiro, já que estudos, pesquisas
e avaliações recentes2 têm apontado para a ineficiência do ensino brasileiro no que diz
respeito à capacidade de leitura e escrita dos nossos alunos e de grande parcela de brasileiros
que já concluíram o Ensino Médio.
No entanto, a meu ver, essas pesquisas consideram apenas a escrita sob o ponto de
vista da competência linguística na produção de textos coerentes, inteligíveis e adequados à
norma padrão de acordo com o contexto em que eles estão inseridos ou, ainda, a capacidade
de adequar o discurso à situação discursiva e ao seu interlocutor. Pouco se tem pesquisado
sobre os sérios problemas de ortografia de alunos do Ensino Médio. Não se sabe como e nem
por que o “erro” ortográfico persiste após longo período de escolarização.
Nota-se que há alunos que, mesmo apresentando certo domínio da norma padrão da
língua e conseguindo escrever bons textos, apresentam alguns problemas ortográficos. Restanos
saber os motivos que levam esses alunos a apresentarem dificuldades idênticas aos de
alunos em fase inicial de alfabetização, pois o diagnóstico correto nos ajudará a solucionar o
problema com eficiência.
Aprendizagem da Escrita: um Trabalho Reflexivo
Segundo Zorzi (1998), para a aprendizagem da escrita é necessário um trabalho
reflexivo, que envolva múltiplos aspectos como os usos, as funções e a natureza da língua
escrita. Considerando o longo período de escolarização, era de se esperar que essa reflexão já
fizesse parte do processo de aprendizagem dos alunos do Ensino Médio. Mas nem sempre
isso é verdade.
Este autor diz ainda, que a ação do sujeito sobre a língua leva-o em direção à
convenção, uma vez que esta pertence a todos e se constrói para possibilitar a interação.
Sendo assim, onde estaria a falha no desenvolvimento da escrita? Será que nossos
alunos não agem sobre a língua nem interagem com outros sujeitos?
2 PROVA BRASIL e SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica)
É imprescindível descobrir a origem do problema de ortografia de alunos que já
passaram pelo processo de aquisição da escrita, mas não conseguiram concluí-lo. O
entendimento da lógica do “erro” nos ajudará a solucionar um problema que parece agravar-se
com o passar dos anos.
Para isso fizemos uma pesquisa entre alunos do ensino médio fazer um levantamento
dos erros ortográficos, mapeando os casos mais raros; buscar recursos para ajudar o aluno a
apreender o sistema padrão de ortografia da Língua Portuguesa; propor ações específicas que
auxiliem professores na solução dos problemas de ortografia dos alunos do Ensino Médio e
verificar a relação entre os “erros” ortográficos de alunos na fase inicial de alfabetização com
os dos alunos do 1° ano do Ensino Médio.
A Observação a partir de diferentes registros
Na realização desse trabalho, nos baseamos nos dados apresentados no livro de Jaime
Luiz Zorzi, que é resultado de pesquisas com alunos de 1ª a 4ª da rede de ensino particular da
cidade de São Paulo, e os comparamos com os de alunos do 1° ano do Ensino Médio,
observando se os casos se repetem ou se temos diferentes problemas na representação gráfica
desses alunos. Diagnosticado o problema, poderemos propor ações específicas para a sua
solução.
Para tanto, fizemos uma pesquisa qualitativa dos erros de ortografia dos alunos do
Ensino Médio a partir de dois registros escritos: um ditado de pequenos textos jornalísticos e
uma produção de texto dos alunos. Quanto à produção de textos, espelhamos na proposta
apresentada pela Cesgranrio em um de seus vestibulares. Já em relação ao ditado, escolhemos
dois pequenos textos da revista Época.
A utilização desses dois registros se justifica por acreditarmos que o ditado é uma
situação artificial que pode mascarar o verdadeiro conhecimento do aluno e atrapalhar a
observação dos erros, uma vez que o aluno se prepara para fazer o melhor e, às vezes, de
forma negativa, acaba tendo um resultado diferente daquele que a espontaneidade nos
permitiria. Portanto, uma escrita espontânea nos ajuda a avaliar melhor a conhecimento do
aluno.
Os textos selecionados na pesquisa são de alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma
escola da rede pública estadual, localizada na região norte de Belo Horizonte, na divisa com a
cidade de Vespasiano. Trata-se de uma área de risco, em que é muito forte a influência do
tráfico de drogas; e os alunos, membros de classe social menos favorecida, formada por
trabalhadores com mão-de-obra menos especializada, estudam à noite e estão na faixa etária
entre 15 a 65 anos.
Na avaliação do SIMAVE - 2006, a escola ficou abaixo da média estadual, tanto em
Língua Portuguesa quanto em Matemática.
Critérios para Avaliação
Zorzi (op. cit.) apresenta algumas categorias para organizar os erros de ortografia
cometidos pelos alunos da sua pesquisa, Cagliari (1989) e Carraher (1990), em trabalhos
anteriores, também utilizam uma categorização de erros ortográficos para mostrarem que tais
erros têm natureza diferentes e portanto devem ter tratamento diferente pelo professores. Estas
categorizações foram adotadas como referência na análise do nosso corpus. Optamos em
aproveitar a classificação de Zorzi (1998) acrescentando mais cinco categorias, pois desta
forma conseguiríamos contemplar mais desvios da escrita dos nossos informantes e explicar
um número maior de ocorrências de erros. O quadro abaixo ilustra as categorias que
elaboramos para a classificação dos erros ortográficos. Além dos modelos que tínhamos, das
pesquisas anteriores, já citadas, acrescentamos, ainda, o uso indevido de letras maiúsculas e
minúsculas, Acentuação indevida, falta de acentuação, uso indevido ou não-uso do hífen,
Separação indevida da sílaba e desconhecimento de uma regra ortográfica.
tabela 1
Categorias empregadas na classificação dos erros ortográficos
Zorzi – 1998 Este trabalho
1. Representações múltiplas 1. Representações múltiplas
2. Apoio na oralidade 2. Apoio na oralidade
3. Omissão de letras 3. Omissão de letras
4. Junção/ separação não convencional
das palavras 4. Junção ou separação de letra não convencional
O Corpus
Dentre os textos de quase duas centenas de alunos do 1° ano do Ensino Médio,
selecionamos vinte e cinco redações e vinte e cinco ditados. Os textos, de modo geral,
apresentam algum tipo de problema relacionado à ortografia. Poucos são os casos em que os
alunos dominam as regras gramaticais, cometendo infrações que representam um problema
menos grave ou requeira um esforço menor para sanar as dificuldades apresentadas.
5. Confusão entre terminações am x ao 5. Confusão entre terminações am x ao
6. Generalização de regras 6. Generalização de regras
7. Substituição de fonemas
surdos/sonoros 7. Trocas surda/sonoras
8. Acréscimo de letras 8. Acréscimo de letras
9. Letras parecidas 9. Letras parecidas
10. Inversão de letras 10. Inversão de letras
11. Outras 11. Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas
12. Acentuação indevida, falta de acentuação.
13. Uso indevido ou não-uso do hífen
14. Separação em sílaba indevida
15. Desconhecimento de regra
16. Outras trocas
Nessa seleção, tivemos o cuidado de escolher os dois textos dos mesmos alunos, para
que pudéssemos observar se os tipos de erros eram recorrentes nas duas escritas; contudo,
isso não foi possível em todos os casos.
Análise do corpus
A partir da análise do corpus, foi elaborada a tabela abaixo, que apresenta o percentual
dos erros encontrados nos textos dos alunos. Com exceção de uma categoria, Letras
Parecidas, todas as outras figuram como tipos de erros dos alunos. Algumas com pouca
recorrência; outras, porém, com percentuais alarmantes. Vejamos:
TABELA 2
TOTAL DE ERROS
TIPOS DE ERROS QUANTIDADE P E R C ENTUAL (%)
1. Representações múltiplas 140
19,18
2. Apoio na oralidade 18
2,46
3. Omissão de letras 107
14,65
4. Junção ou separação de letra não convencional 24
3,3
5. Confusão entre terminações am x ão 11
1,51
6. Generalização de regras 27
3,7
7. Trocas surda/sonoras 7
1
8. Acréscimo de letras 61
7
9. Letras parecidas 0
0
10. Inversão de letras 2
0,3
11. Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas 59
8,1
12. Acentuação indevida, falta de acentuação. 212
29
13. Uso indevido ou não-uso do hífen 48
6,6
14. Separação em sílaba indevida 4
0,5
15. Desconhecimento de regra 8
1,1
16. Outras trocas 12
1,6
TOTAL 740 100
O que se constata na tabela acima é que 62,83% dos erros concentram-se em apenas
três categorias: Acentuação indevida/Falta de acentuação (29%), Representações múltiplas
(19,18%) e Omissão de letras (14,65%). Vale ressaltar que Zorzi (1988) relaciona
Representações múltiplas e Omissão de letras entre os três principais problemas para os
alunos em fase de aquisição da escrita.
Em primeiro lugar, no índice de erros cometidos pelos alunos, está o problema com a
Acentuação gráfica. Esse critério, embora não fora arrolado por Zorzi (1988), em seu estudo,
revela ser um dado curioso nessa nossa análise porque um número significativo de alunos
apresenta dificuldades no reconhecimento da sílaba tônica. Parte deles não sabe nem sequer o
que venha a ser a sílaba tônica de uma palavra. Outra parte tem algum conhecimento sobre
tonicidade, mas não consegue identificar na palavra qual sílaba é a tônica. Além disso,
desconhecem as regras de acentuação gráfica, não acentuando as palavras ou acentuando-as
de forma aleatória.
Em segundo lugar, está o problema da Representação múltipla. Chama-me a atenção a
quantidade de erros decorrentes do desconhecimento das regras de representação dos fonemas
nos textos analisados na pesquisa. Muitos alunos não sabem usar com propriedade as letras
que representam mais de um fonema ou como é representado um fonema que pode ser
grafado por letras diversas. As ocorrências são várias, mas talvez o problema de representação
do fonema /s/ seja o mais recorrente. Não obstante, um caso que se destaca é o uso da letra C.
Alguns alunos usam indiscriminadamente essa letra sem darem conta de que sua
representação varia de acordo com as vogais que a acompanha, ou seja, esses alunos não
distinguem a representação do fonema /k/ do fonema /s/. De modo que escrevem
*Mocâmbique em vez de Moçambique ou *afanco em vez de avanço.
Em terceiro lugar na lista, aparece o problema de Omissão de letras. Embora os alunos
já tenham completado, em média, dez anos de vida escolar, alguns deles não grafam com
todas as letras muitas das palavras que escrevem. Um grande número de omissão de letras
deve-se ao apoio na oralidade, sendo comum a omissão da letra R no final de verbos no
infinitivo. Mas também ocorre de o ditongo simplesmente deixar de existir
(desperdício/desperdiço), a perda do H inicial (hábito/ abito) ou, ainda, o desaparecimento de
dígrafos (adolescência/ adolecencia; cresce/ crese), dentre outros.
Por fim, aparecem os casos com menos de 10% do total de erros encontrados nos
textos. Dentre eles, pode-se destacar o Acréscimo de letras (7%) e Uso indevido de letras
maiúsculas e minúsculas (8,1%); Uso indevido ou não-uso do hífen (6,6%), Junção ou
separação de letra não convencional (3,3%) e Generalização de regras (3,7%). Dessas,
destaca-se Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas. Não pela quantidade (8,1%), mas
por se tratar de erros primários que infringem regras básicas e são corrigidos incessantemente
desde o início da alfabetização.
As demais classificações dos erros têm índices abaixo dos 3%. São elas: Apoio na
oralidade (2,46); Trocas surdas/sonoras (1,0%); Outras trocas (1,6%); Confusão entre
terminações am x ão (1,51%); Desconhecimento de regra (0,81%); Separação em sílaba
indevida (0,5%) e, finalmente, Inversão de letras (0,3%).
Como se pode observar ao compararmos os tipos de erros descritos na Tabela 1,
podemos dizer que, em maior ou menor grau, os alunos do 1º ano do Ensino Médio, arrolados
nessa pesquisa, apresentam problemas idênticos aos dos alunos de 1ª a 4ª série pesquisados
por ZORZI (1998). O que nos permite afirmar que esses alunos, mesmo com maior tempo de
escolarização, ainda não completaram o processo de aquisição e desenvolvimento da escrita e
não se apropriaram satisfatoriamente do sistema ortográfico da Língua Portuguesa.
Isso se deve a uma desastrosa tríade na realidade escolar brasileira: o sistema
educacional, o equívoco quanto à teoria construtivista e o engano quanto à teoria linguística.
Motivado por modernas teorias pedagógicas, o sistema educacional brasileiro passou
por mudanças que resultaram em inestimáveis avanços, mas também trouxeram resultados
amargos para a educação.
Podemos afirmar que um dos avanços do ensino brasileiro foi o fim da “cultura de
reprovação”. Essa era uma prática injusta, pois se reprovava muito apenas por reprovar,
atravancava o sistema educacional e infringia aos alunos o castigo de repetição contínua, não
lhes dando o direito de uma avaliação qualitativa capaz de considerar o educando como um
ser único, com uma história particular e idiossincrásica. Todavia, nessa história não há apenas
sucessos. Não se pode negar que, ao diminuir o déficit educacional no país - outra conquista
que merece destaque - perdeu-se em qualidade de ensino. O problema de falta de vagas nas
escolas, resultado de baixos investimentos em educação, elevado índice de repetência, dentre
outros, foi resolvido em parte pela “aprovação automática”. Exige-se o mínimo do aluno e
facilita-lhe o avanço à série seguinte, mesmo sabendo que ele acumulará deficiências e
dificilmente desenvolverá habilidades necessárias para a conclusão de uma série, ciclo ou
grau. Isso resulta nos baixos índices de competência escolar que vemos divulgados
constantemente na mídia.
Os outros dois motivos dizem respeito ao duplo equívoco: quanto à Teoria
Construtivista e quanto à Teoria Linguística. Sem demorarmos em análises, gostaríamos de
levantar um ponto importante de cada um desses enganos.
No que tange a Teoria Construtivista, percebe-se uma prática equivocada por partes de
muitos professores, sobretudo em relação à ortografia, pois, nas séries iniciais, houve uma má
interpretação da teoria no que diz respeito à aquisição do sistema de escrita. Por muito tempo,
acreditava-se que, como era necessário abandonar as fórmulas tradicionais do ensino de
ortografia, não havia necessidade de seu ensino; como se a criança por si só, exposta ao
universo da escrita, conseguisse apreender assimilar e fixar as mais diversas regras
ortográficas. Quanto à Teoria Linguística, a história não é muito diferente. Nas séries finais,
houve má interpretação da teoria no que diz respeito à sistematização do ensino da Língua
Portuguesa. Como se acreditou que a produção e entendimento do texto não passa
necessariamente pelo ensino da gramática, perdeu-se na fixação do sistema ortográfico, que,
por sua vez, já não tinha sido bem adquirido, nem bem assimilado nas séries iniciais. Como
resultado, forma-se cidadãos despreparados, que não conseguem escrever corretamente as
palavras das quais faz uso no seu dia-a-dia.
Considerações Finais
Neste trabalho, a análise dos textos dos alunos do 1º ano revela um histórico, no
mínimo, curioso. Por um lado, não é de se esperar que as habilidades de alunos prestes a
prestar exames vestibulares e outros concursos sejam comparadas às de alunos em fase inicial
de alfabetização. Pior que isso é saber que muitos concluirão o Ensino Médio sem vencer o
processo de aquisição e desenvolvimento da escrita, completando os estudos sem mesmo
saber escrever corretamente segundo a norma padrão. Por outro, não há como deixar de
repensar o papel do professor nesse processo de aprendizagem. Não que seja necessário
encontrar um bode expiatório, mas precisa-se de uma nova postura em relação a problema que
parece aumentar com o passar dos anos.
A nossa impressão é de que, em meio a novas teorias, o ensino de ortografia perdeu o
seu valor, e a correção ortográfica já não ocupa um lugar de destaque como deveria. Se este é
o caso, parece-nos necessário rever a nossa postura em relação ao ensino da ortografia, dando
oportunidade aos alunos de aprenderem na escola aquilo que não será ensinado em casa ou em
outro lugar.
Acreditamos que o ensino de ortografia não se restringe a algumas aulas ou a algumas
séries, mas deve sempre permear todo o processo educacional. A todo o momento, temos de
sanar as dificuldades apresentadas pelos alunos, corrigir-lhes os erros e levá-los sempre à
reflexão sobre a língua, uma vez que as propriedades regulares e irregulares da nossa
ortografia exigem muito mais que uma simples memorização.
Não obstante, faz-se necessário que o ensino da ortografia leve o aluno a tomar
consciência de que existem palavras que exigem a consulta a fontes autorizadas e o esforço de
memorização, bem como o ajude a inferir sobre os princípios de geração da escrita
convencional, a partir da explicitação das regularidades do sistema ortográfico.
Por fim, temos de nos conscientizarmos que ainda depende de nós, professores, o
empenho para reversão do quadro desesperador que temos hoje, pois o ensino de ortografia,
mais do que qualquer outro, quase que se restringe ao espaço escolar.
REFERÊNCIAS
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Belo Horizonte, março/abril. 1995
Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. PARÂMETROS CURRICULARES
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GUIMARÃES, Marisa Rosa. Um estudo sobre Aquisição da ortografia nas séries iniciais,
2005. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, UFPel, Pelotas, 2005.
disponível no site
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MORAIS, Artur Gomes de (Org.) O aprendizado da ortografia. 3. ed. Belo Horizonte:
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MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. 3. ed. São Paulo: Ática, 2000.
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ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever: uma apropriação do sistema ortográfico. São
Paulo: Artes médicas, 1998.

APRENDIZAGEM




Objetividade e Subjetividade: uma via de mão dupla.

Cláudio Pires Cardoso
A aprendizagem ocorre na relação entre a objetividade ( a realidade, o conhecimento, a lógica, o
espaço, o tempo, o intelecto) e a subjetividade ( o simbólico, o desejo, as representações, os afetos).
Nos processos de ensino/aprendizagem, o simbólico se transmite ao mesmo tempo que o
conhecimento dito "científico", ou seja, a transmissão do conhecimento é também a transmissão de
nossas formas de ser e de crer. É importante assinalar que os processos de ensino/aprendizagem
são indissociáveis porque internalizamos modelos de aprender em reciprocidade aos modelos de
ensino com os quais interagimos durante a vida nos grupos aos quais pertencemos. (Beatriz Scoz)
Segundo o texto do módulo IV, 1ª lição, “...a psicopedagogia vê a aprendizagem como interface
entre inteligência e desejo, razão e emoção, objetividade e subjetividade, a estratégia que for
seguida deverá sempre alternar ambos os campos privilegiando aquele que mais necessita ser
trabalhado em cada caso particular.” Dentro desta perspectiva, o terapeuta da aprendizagem
precisará estar atento às características manifestadas pelo sujeito aprendente para poder elencar as
atividades interventivas que contribuirão para a superação da dificuldade observada.
Verificando as hipóteses da modalidade de aprendizagem formadas pelo indivíduo, é possível
delimitar o campo de propostas interventivas a ser aplicadas. Acompanhando o quadro abaixo
podemos melhor compreender o binômio objetividade/subjetividade e suas implicações quando
estas não estiverem equilibradas de modo a proporcionar ao sujeito a aprendizagem adequada.
HIPOACOMODAÇÃO Consiste em adaptar-se para que ocorra a internalização. A sintomatização
da acomodação poder resultar numa dificuldade de internalizar os objetos.
HIPERACOMODAÇÃO Consiste em abrir-se para a internalização, o exagero disto pode levar a
uma pobreza de contato com a subjetividade.
HIPOASSIMILAÇÃO Sua sintomatização resulta na pobreza no contato com o objeto, não
assimilando-o, mas apenas acomodando-o.
HIPERASSIMILAÇÃO Consiste no predomínio dos aspectos subjetivos sobre os objetivos
Considerando que a objetividade (a realidade, o conhecimento, a lógica, o espaço, o tempo, o
intelecto) e a subjetividade (o simbólico, o desejo, as representações, os afetos) são indissociáveis e
deflagram nossos modos de ser e de fazer, o desequilíbrio comprometem as estruturas da
aprendizagem acarretando a patologia.
Na Hipoassililação, por exemplo, sua sintomatização se traduz pela pobreza de contato com o objeto
que resulta em esquemas pobres e uma dificuldade de lidar com o lúdico e a criatividade. Seria
como se a energia transformativa deixasse de influenciar as estruturas cognitivas.
Se a condição do indivíduo for hiperassimilativa/hipo-acomodativa, percebemos que a criança não
aprende em virtude de um mecanismo altamente subjetivo. Neste caso, a estratégia interventiva
deve privilegiar atividades objetivas, que conectem com o real.
Para melhor ilustrar esta questão apresento um breve relato de um caso.
Caso N.
N. tem 5 anos, freqüenta o 3º período da Educação Infantil de uma escola municipal. Seus pais são
presentes no que tange ao acompanhamento e participação escolar. N. possui vínculo positivo com
os pais e com a irmã de 11 anos, matriculada na mesma escola e no mesmo turno. Ela o ajuda em
casa com suas tarefas escolares e demonstra afeto por e ele.
N. é uma criança pouco sociável e se comunica somente quando requisitado. Nos momentos da
rodinha de conversa, geralmente aparenta estar desconectado e às vezes encontra-se fantasiando
sobre as questões discutidas. A professora, percebendo as características de N. solicitou a ajuda do
Orientador da escola que ao conversar com o aluno identificou indícios de hiperassimilativos. É fato
que a criança nesta faixa etária simboliza sua realidade, entretanto, N. parece viver em um “conto de
fadas”.
Segue transcrição de trecho de uma conversa com N.
• Qual é o seu nome?
• Eu sou um dragão voador.
• Você gosta de voar?
• Não posso conversar agora.
• Por quê?
• Meu cérebro ainda está dormindo.
Em uma entrevista com a mãe do menino, foi revelado que o pai estimula demasiadamente as
fantasias do filho e que acha “uma gracinha” vê-lo viajando no mundo da imaginação. Ela não está
de acordo com essa postura do marido e questiona isso temendo que N. possa apresentar
distorções em sua identidade, adquirir problemas na aprendizagem e manifestar dificuldade para
distinguir entre o real e o simbólico.
A partir do relato acima podemos perceber que N. vive um conflito entre a subjetividade e a
objetividade, visto que recebeu estímulos que supervalorizassem sua imaginação. Por isso, grande
parte do tempo, o aluno pensa estar situado em um universo paralelo à realidade. Cabe neste caso,
realizar atividades que ofereçam maior contato com a lógica, com o pensamento reflexivo, com a
realidade.
Evidentemente, o terapeuta da aprendizagem programará uma intervenção pautada no resgate da
objetividade de N., sem, claro, prejudicar sua capacidade de simbolismo, pois para a criança é
preciso desenvolver de maneira saudável o equilíbrio entre estas duas vertentes do pensamento.
Podemos concluir, segundo o relato acima que a objetividade não prescinde a subjetividade. Ambas
devem atuar de forma harmônica. E, identificando os elementos causadores de conflito é possível
remover as barreiras que circunstancialmente estão causando dificuldade na apreensão da realidade
e na interação com o meio de modo a assimilar os conhecimentos a ele pertinentes.
Portanto, Cabe ao psicopedagogo transitar entre estes aspectos subjacentes à aprendizagem –
objetividade/subjetividade – para proporcionar ao paciente um espaço de reflexão sobre si, sobre o
vínculo formado com a aprendizagem, sobre a forma como a família concebe e favorece o
conhecimento e sobre a modalidade de aprendizagem exercida pelo sujeito. Atuando de maneira
sistemática, investigativa e assistiva é possível penetrar no mundo patológico que aprisionou a
aprendizagem e apontar para as chaves que irão libertar o saber.
Bibliografia
AMARAL, Silvia. Psicopedagogia, um portal para a inserção social. Ed. Vozes. Petrópolis, 2003.
CHAMAT, Leila Sara José Chamat. Relações Vinculares e aprendizagem: um enfoque
psicopedagógico. Vetor. São Paulo, 1997.
FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e
sua família. ArtMed. Porto Alegre,1991.
__ Os idiomas do aprendente.ArtMed. Porto Alegre,2001.
__ O saber em jogo.ArtMed. Porto Alegre, 2001.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. ArtMed. Porto Alegre, 1992.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget.Livraria Pioneira
Editora. São Paulo, 1992.
WAGNER, Adriana. Família em cena. Ed. Vozes. Petrópolis, 2002
WEISS. Maria Lúcia L.Psicopedagogia Clínica. DP&A Editora. Rio de Janeiro, 2000.
Webliografia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizagem
http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entrevista.asp?entrID=31

terça-feira, 4 de agosto de 2015

DISLALIA


ASPERGER POR PAULO TEIXEIRA

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SÍNDROME DE ASPERGER
Paulo Teixeira
Licenciado em Psicologia pela Universidade Lusíada do Porto (Portugal)
Contactos do autor:
Telefone: 934645415
Email: vpaulo_teixeira@iol.pt
RESUMO
A incessante procura de conhecer o ser humano, leva a uma procura por parte dos cientistas a
necessidade de descobrir o processo psicológico do próprio Homem.
A Síndrome de Asperger é uma desordem pouco comum, contudo importante na prevenção
do processo psicológico de crianças, que tardiamente é diagnosticado devido à falta de
conhecimento por parte dos profissionais, nomeadamente dos professores e educadores. Esta
síndrome é uma categoria bastante recente na divulgação científica e encontra-se em uso geral
nos últimos 15 anos.
Este trabalho visa alguma informação acerca desta síndrome, visto que já por várias vezes foi
confundida com uma Perturbação Obsessivo – Compulsiva, Depressão, Esquizofrenia, etc.
Porém, não apresentam qualquer atraso significativo de desenvolvimento de fala ou cognitivo,
podendo até mesmo passar a vida toda sendo apenas consideradas pessoas “estranhas” para os
padrões típicos de comportamento. Embora essas pessoas não tenham um atraso significativo no
desenvolvimento cognitivo, é importante que a criança receba educação especializada o mais
cedo possível para auxiliar o indivíduo a contornar os problemas de comportamento que
apresenta e também para ajudar a direccionar os campos de interesse e de estudo da criança.
Palavras-chave: Autismo, Asperger, Crianças, Psicoterapia
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A Síndrome de Asperger é o nome dado a um grupo de problemas que algumas crianças (e
adultos) têm quando tentam comunicar com outras pessoas.
Esta Síndrome foi identificada em 1944, mas só foi oficialmente reconhecido como critério
de diagnóstico no DSM-IV em 1994. Como resultado, muitas crianças foram mal diagnosticadas
com síndromes como Autismo, Perturbação Obsessivo – Compulsivo, etc.
Ao longo dos tempos muitos foram os termos utilizados para definir esta síndrome, gerando
grande confusão entre pais e educadores. Síndrome de Asperger é o termo aplicado ao mais
suave e de alta funcionalidade daquilo que é conhecido como o espectro de desordens pervasivas
(presentes e perceptíveis a todo o tempo) de desenvolvimento (espectro do Autismo).
Esta síndrome parece representar uma desordem neurobiológica que é muitas vezes
classificada como uma Pervasive Developmental Disorders (PDD). É caracterizada por desvios e
anormalidades em três amplos aspectos do desenvolvimento: interacção social, uso da linguagem
para a comunicação e certas características repetitivas ou perserverativas sobre um número
limitado, porém intenso, de interesses.
Apesar de existirem algumas semelhanças com o Autismo, as pessoas com Síndrome de
Asperger geralmente têm elevadas habilidades cognitivas (pelo menos Q.I. normal, às vezes indo
até às faixas mais altas) e por funções de linguagem normais, se comparadas a outras desordenas
ao longo do espectro.
Apesar de poderem ter um extremo comando da linguagem e vocabulário elaborado, estão
incapacitadas de o usar em contexto social e geralmente têm um tom monocórdico, com alguma
nuance e inflexão na voz.
Crianças com Síndrome de Asperger, podem ou não procurar uma interacção social, mas têm
sempre dificuldades em interpretar e aprender as capacidades da interacção social e emocional
com os outros.
Hosbon (1995), postulou que crianças com SA têm incapacidade para interagir
emocionalmente com os outros, portanto a criança com Autismo não recebe as experiências
sociais necessárias para desenvolver as estruturas cognitivas para a compreensão.
Baron – Cohen e colegas (1993), indicam que as primeiras experiências são as cognitivas. As
teorias destes autores sobre a mente é baseada na ideia de que as crianças com Autismo falham
no desenvolvimento da compreensão de que a mente e o estado mental ralata o comportamento.
Tager – Flusberg (1993), indicam que crianças com Autismo não desenvolvem uma
compreensão de que a linguagem e comunicação existe para troca de informação.
Muitos pesquisadores acham que há duas áreas de relativa intensidade que distinguem as SA
(Síndrome de Asperger) de outras formas de Autismo e PDD e concorrem para um melhor
prognóstico em SA. Não chegaram a consenso se existe alguma diferença entre as SA e o
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Autismo de Alta Funcionalidade (AAF). Alguns pesquisadores sugerem que o deficit
neuropsicológico básico é diferente para as duas condições, mas outros não estão convencidos de
que alguma distinção significativa possa ser feita entre os dois. (Bauer, 1995)
Epidemiologia
Os melhores estudos que têm sido conduzidos até agora sugerem que SA é consideravelmente
mais comum que o Autismo clássico. Enquanto que o Autismo tem tradicionalmente sido
encontrado à taxa de 4 a cada 10.000 crianças, estima-se que a Síndrome de Asperger esteja na
faixa de 20 a 25 por 10.000. isto significa que para cada caso de Autismo, as escolas devem
esperar encontrar diversas crianças com o quadro SA. (Bauer, 1995)
Todos os estudos concordam que a Síndrome de Asperger é muito mais comum em rapazes
que em raparigas. A razão para isso é desconhecida. SA é muito comummente associada com
outros tipos de diagnóstico, novamente por razões desconhecidas, incluindo: “tics” como a
desordem de Tourette, problemas de atenção e de humor como a depressão e ansiedade. Em
alguns casos há um claro componente genético, onde um dos pais (normalmente o pai) mostra ou
o quadro SA completo ou pelo menos alguns traços associados ao SA; factores genéticos
parecem ser mais comuns em SA do que no Autismo clássico. (idem)
Contudo uma coisa é certa, SA não é causada pela má educação dos pais ou problemas de
família! Infelizmente muitos pais sentem-se culpados por uma desordem neurobiológica que não
é culpa deles.
Definição
O novo critério do DSM-IV para diagnóstico de SA, inclui a presença de:
Particularidades qualitativas na interacção social, envolvendo alguns ou todos de entre:
uso de peculiaridade no comportamento não-verbal para regular a interacção social;
falha no desenvolvimento de relações com pares da sua idade;
falta de interesse espontâneo em dividir experiências com outros;
falta de reciprocidade emocional e social.
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Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e actividades
envolvendo:
preocupação com um ou mais padrões de interesse restritos e estereotipados;
inflexibilidade a rotinas e rituais não funcionais específicos;
maneirismos motores estereotipados ou repetitivos, ou preocupação com partes de
objectos.
De acordo com o DSM-IV os critérios para se poder diagnosticar a Síndrome de Asperger
são:
Critérios Diagnósticos para F84.5 - 299.80 Transtorno de Asperger
A. Prejuízo qualitativo na interacção social, manifestado por pelo menos dois dos
seguintes quesitos:
(1) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como
contacto visual directo, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a
interacção social
(2) fracasso para desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de desenvolvimento
com seus pares
(3) ausência de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações
com outras pessoas (por ex., deixar de mostrar, trazer ou apontar objectos de interesse a
outras pessoas)
(4) falta de reciprocidade social ou emocional
B. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e
actividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes quesitos:
(1) insistente preocupação com um ou mais padrões estereotipados e restritos de
interesses, anormal em intensidade ou foco
(2) adesão aparentemente inflexível a rotinas e rituais específicos e não funcionais
(3) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., dar pancadinhas ou
torcer as mãos ou os dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo)
(4) insistente preocupação com partes de objectos
C. A perturbação causa prejuízo clinicamente significativo nas áreas social e ocupacional
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ou outras áreas importantes de funcionamento.
D. Não existe um atraso geral clinicamente significativo na linguagem (por ex., palavras
isoladas são usadas aos 2 anos, frases comunicativas são usadas aos 3 anos).
E. Não existe um atraso clinicamente significativo no desenvolvimento cognitivo ou no
desenvolvimento de habilidades de auto-ajuda apropriadas à idade, comportamento
adaptativo (outro que não na interacção social) e curiosidade acerca do ambiente na
infância.
F. Não são satisfeitos os critérios para um outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento
ou Esquizofrenia.
Cristopher Gillberg, propõe seis critérios, sendo apenas aqui referidos cinco, para o
diagnóstico que capturam o estilo único dessas crianças e que incluem:
Isolamento social, com extremo egocentrismo, que pode incluir:
falta de habilidades para interagir com os pares;
apreciação pobre da trança social;
respostas socialmente inapropriadas.
Há interesses e preocupações limitadas:
mais rotinas que memorizações;
relativa exclusividade de interesses.
Há rotinas e rituais que podem ser:
auto-impostos;
impostos por outros.
Há problemas na comunicação não-verbal como:
uso limitado de gestos;
linguagem corporal desajeitada;
expressões faciais limitadas ou impróprias
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olhar fixo peculiar;
dificuldades de ajuste a proximidade física.
Características clínicas
O mais óbvio marco da Síndrome de Asperger e a característica que faz dessas crianças tão
únicas e fascinantes, é a sua peculiar idiossincrática área de “interesse especial”. Em contraste
com o mais típico Autismo, onde os interesses são mais para objectos ou parte de objectos, na SA
os interesses são mais frequentes por áreas intelectuais específicas. (Bauer, 1995)
Quando as crianças entram para a escola, ou mesmo antes, elas mostrarão interesse obsessivo
numa determinada área como a matemática, aspectos de ciência, leitura (alguns têm histórico de
hipelexia – leitura rotineira em idade precoce) ou algum aspecto de história ou geografia,
querendo aprender tudo quanto for possível sobre o objecto e tendendo a insistir nisso em
conversas e jogos livres. (Idem)
Voltando à descrição de Hans Asperger em 1944, a área de transportes tem parecido ser de
especial atenção.
Embora os sintomas comportamentais do Síndrome de Asperger sejam bem estabelecidos,
muito pouco é sabido sobre as raízes neurobiológicas da desordem. Alguns estudos mostraram
que os povos diagnosticados com Autismo têm anormalidades nos lobos frontais e parietais.
Os investigadores usaram uma técnica chamada
ressonância magnética por emissão de protões (ou "
1 H-Sra.", porque " 1 H" é o símbolo químico para
um protão). Este método mede a concentração
metabólica do cérebro (da "ruptura produtos para
baixo") envolvidos na produção de energia. A
concentração de medição do metabolismo dá aos
investigadores um retrato total do estado dos
neurónios numa área particular do cérebro.
Uma outra característica de SA é a deficiente
socialização e isso também tende a ser algo
diferente do que se vê no Autismo. Embora crianças
com SA sejam frequentemente conotadas pelos pais e professores como “estando no seu próprio
mundo”, elas raramente são distantes como as crianças com Autismo. (Bauer, 1995)
Em geral, a proporção de casos de Autismo atribuíveis a afecções clínicas específicas é
relativamente baixa. A relação, particularmente uma relação causal, de outras afecções clínicas
com o Autismo é complexa. Muitas vezes, os relatos iniciais de tais associações baseiam-se em
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relatos de casos, e não em estudos controlados ou em amostras com base epidemiológica. Por
exemplo, a impressão de uma forte relação entre Autismo e rubéola congénita teve de ser
modificada quando se tornou aparente que tais casos tendiam a tornar-se menos semelhantes ao
Autismo com o passar do tempo e que pelo menos uma parte dessa semelhança estava
relacionada ao comprometimento sensorial e à severa deficiência mental exibida. In neuro Psico
News, 2000
Para estudos de afecções clínicas associadas ao Autismo, a pergunta crítica não é se já foram
observadas associações, mas se a associação é maior do que seria de se esperar, dada a taxa do
transtorno na população geral. As taxas de afecções clínicas relatadas que poderiam relacionar-se
casualmente com o Autismo têm variado amplamente, dependendo de vários factores. (Idem)
Gillberg e Coleman (1996) relataram taxas de tais afecções clínicas que se aproximam de
25%, enquanto Rutter e colegas (1994) sugerem que 10% é uma percentagem mais
representativa. Os dados não parecem sugerir mais que associações casuais do Autismo com
Síndrome de Down, a rubéola congénita, a paralisia cerebral, a fenilcetonúria e a
nurofibromatose. (Idem)
Por outro lado, tanto a Síndrome do X frágil quanto a esclesose tuberosa ocorrem em pessoas
com Autismo, em taxas mais altas do que seria de esperar numa base casual. Aproximadamente
uma em 100 pessoas com Autismo exibe a anomalia do X frágil. A taxa de Autismo na esclerose
tuberosa também é elevada. (Idem)
Crianças com deficiências congénitas (como cegueira ou surdez) podem apresentar uma
questão de possível Autismo em virtude de movimentos não comuns ou dificuldades de
linguagem, mas geralmente não são preenchidos os requisitos completos para o Autismo. (Idem)
Os estudos post-motem em pessoas com Autismo demonstraram uma forte evidência de
patologia no cérebro. Tomografia Axial Computorizada e Ressonância Magnética mostraram
certas anormalidades no córtex cerebral, cerebelo e nos ventrículos do cérebro. Contudo, essas
anormalidades não são consistentes. Estudos de neuroimagem, tal como, positron emission
tomography (PET) e Single photon emission tomography (SPECT) também não demonstraram
qualquer anormalidade. Provavelmente, a anormalidade é muito subtil para ser projectada através
das técnicas de investigação correntemente aplicáveis.
Tratamento
Devido ao facto de a Síndrome de Asperger ser relativamente recente no desenvolvimento da
Psicologia e Psiquiatria, muitas das abordagens ainda estão em fase inicial e muito trabalho ainda
necessita de ser feito nesta área.
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É óbvio para todos, que quanto mais cedo o tratamento começar, melhor será a sua
recuperação. Isto implica tratamento a nível psicoterapeutico, a nível educacional e social.
O Treino de Competências Sociais é um dos mais importantes componentes do programa de
tratamento. Crianças com esta síndrome podem ser ajudadas na aprendizagem social através de
psicólogos preparados. A linguagem corporal e a comunicação não-verbal podem ser ensinadas
da mesma maneira que se ensina uma língua estrangeira.
As crianças conseguem aprender a como interpretar expressões não-verbais, emoções e
interacções sócias. Este procedimento assiste-as nas interacções sociais e aproximações com as
pessoas, prevenindo assim o isolamento e depressão que geralmente ocorre assim que entram na
adolescência.
Os adolescentes podem, algumas vezes, receber benefícios através do grupo terapêutico e
podem ser ensinados a usar a mesma linguagem que as pessoas da sua idade.
Porque as crianças com SA podem-se diferenciar em termos de Q.I. e níveis de habilidades,
as escolas ter programas individualizados para essas crianças. Os professores devem estar atentos
às necessidades especiais que estas crianças precisam, o que geralmente não acontece, pois elas
precisam de maior apoio que as restantes crianças.
O mais importante ponto de partida para ajudar os estudantes com SA a funcionar
efectivamente na escola é que o staff (todos que tenham contacto com a criança) compreenda que
a criança tem uma desordem de desenvolvimento que a leva a comportar-se e a responder de
forma diferente dos demais estudantes. Muito frequentemente, o comportamento dessas crianças
é interpretado como “emocional” ou “manipulativo” ou alguns termos que confunde a forma
como eles respondem diferentemente ao mundo e seus estímulos. Dessa compreensão segue que
o staff da escola precisa individualizar a sua abordagem para cada uma dessas crianças; não
funciona tratá-los da mesma forma que os outros estudantes. (Bauer, 1995)
O próprio Asperger compreendeu a importância central da atitude do professor no seu próprio
trabalho com crianças. Ele escreveu em 1944: “estas crianças frequentemente mostram uma
surpreendente sensibilidade à personalidade do professor (…) E podem ser ensinados, mas
somente por aqueles que lhes dão verdadeira afeição e compreensão. Pessoas que mostrem
delicadeza e, sim, humor. (…) A atitude emocional básica do professor influencia, involuntária e
inconscientemente, o humor e o comportamento da criança.” (Idem)
Embora seja sabido que muitas crianças com SA possam ser administradas em classes
regulares, elas frequentemente precisam de algum suporte educacional. Serviços de
fonoaudiologia podem ser desnecessários, mas um terapeuta da fala na escola pode ser bastante
útil como consultores para o resto do staff, sugerindo caminhos para endereçar problemas em
áreas como linguagem pragmática. (Idem)
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É sempre ter especial atenção a este tipo de situações, uma vez que só tardiamente existe
alertas por parte dos profissionais para este mesmo facto. É de salientar, tal como foi dito
anteriormente, o alerta por parte dos profissionais da educação é relevante, bem como a
colaboração do próprio staff.
Existem alguns princípios que devem ser seguidos para crianças com este tipo de desordem,
tais como:
As rotinas de classe devem ser mantidas tão consistentes, estruturadas e previsíveis
quanto possível. Crianças com sa não gostam de surpresas. Devem ser preparadas
previamente, para mudanças e transições, inclusive as relacionadas a paragens de agenda,
dias de férias, etc.;
As regras devem ser aplicadas cuidadosamente. Muitas dessas crianças podem ser
nitidamente rígidas quanto a seguir regras quase que literalmente. É útil expressar as
regras e linhas mestre claramente, de preferência por escrito, embora devam ser aplicadas
com alguma flexibilidade;
O staff deve tirar toda a vantagem das áreas de especial interesse quando leccionado. A
criança aprenderá melhor quando a área de alto interesse pessoal estiver na agenda. Os
professores podem conectar criativamente as áreas de interesse como recompensa para a
criança por completar com sucesso outras tarefas em aderência a regras e
comportamentos esperados;
Muitas crianças respondem bem a estímulos visuais: esquemas, mapas, listas, figuras, etc.
Sob esse aspecto são muito parecidas com crianças com pdd e autismo;
Tentar ensinar baseado no concreto. Evitar linguagem que possa ser interpretada
erroneamente por crianças com sa, como sarcasmo, linguagem figurada confusa, etc.
Procurar interromper e simplificar conceitos de linguagem mais abstractos;
Ensino didáctico e explícito de estratégias pode ser muito útil para ajudar a criança a
ganhar proficiência em “funções executivas” como organização e habilidades de estudo;
Tentar evitar luta de forças. Essas crianças frequentemente não entendem demonstrações
rígidas e teimosos se forçados. O eu comportamento pode ficar rapidamente fora de
controle, e nesse ponto é normalmente melhor para o terapeuta interromper e deixar
esfriar. É sempre preferível, se possível, antecipar essas situações e tomar acções
preventivas para evitar a confrontação através de serenidade, negociação, apresentação de
escolhas ou dispersão de atenção. (bauer, 1995)
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